O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

neste quarto alugado sinto a pulsação dos prédios, o crescer dos muros para o ceú, as borboletas que não aguentam a distância de um anão. e caem sobre a terra como limões secos e vazios. eu olho e penso que nada existe para lá do chão, que água e fogo são alucinações. são deuses mascarados. ou até mesmo resíduos de paixões. ou pode ser tudo isso numa só jarra que mais tarde beberemos. santa é a minha vontade de renunciar o mundo. de me ferrar enquanto escrevo.

lembro: eu era uma casa assombrada. nela não havia nada. nem pó nem flores nem esqueletos nem nada. talhei nas paredes a minha psicobiografia e vi a extensão do meu grito. escadas que desciam e não se subia, roupas de inverno a esperar que venham corpos. e tomara à minha cabeça ser uma tocha iluminada para entender essas roupas de inverno. como um incrédulo renasci. fundei a minha habitação, os meus monges, as minhas coisas belas e profanas.

nasci num quarto às escuras igual ao interior de um fruto. a minha mãe tinha um ventre bem arquitectado, poderoso como uma transparência. e nele percorri cidades inteiras, provei leguminosas e sismei com verdes andorinhas. quando crescer evitarei remédios para a calma, lerei poemas e pronto: um riacho progride na dor da minha encosta, e eis-me: absoluto, tal boi puxando a paisagem para dentro da moldura.

10 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Por que há-de ser um "boi" a puxar a carroça... e não qualquer outra especie de animal? Não estou a ver!... JCN

Magno jardim disse...

Já me doiem as costas, irra.
:)

Nehashim disse...

Interessante...

Abraços Fraternos

João de Castro Nunes disse...

Dizer "interessante" o mesmo é... que dizer nada. Falar... por falar, para não dizer coisa nenhuma. JCN

rmf disse...

"Minha cabeça estremece com todo o esquecimento..."

Lembro Herberto Helder, como pano de fundo, por detrás deste poema, sem título.

Gostei, mas de pouco conta uma só opinião.

Abraço

João de Castro Nunes disse...

Sempre vai contando! JCN

Paulo Borges disse...

Belíssimo e profundo texto, como sempre. Abraço

João de Castro Nunes disse...

Tirando... essa do "boi". JCN

platero disse...

Também gosto
Que sirva ao menos, a minha opinião,
para ajudar a "contar"

abraço

João de Castro Nunes disse...

Nessa tal "casa assombrada" não haveria, por acaso, algum ninho de serpentes?!... É caso ... para supor, dado o panorama, que no texto se chama paisagem. JCN