segunda-feira, 15 de junho de 2009
Trans-Pátria - Um Portugal que padece do problema de se ver como problema
Um dos aspectos mais notáveis que ressalta da observação atenta da cultura e da vida portuguesa é a inflação de Portugal nessa mesma cultura e vida. Portugal tende a assumir uma presença incontornável no modo como pensamos a nossa própria existência, a nossa presença no mundo e a natureza da própria realidade. Isto não só naqueles autores paradigmáticos, como Camões, Vieira, Pascoaes, Pessoa e Agostinho da Silva, que fizeram ou tenderam a fazer de Portugal, por vezes obsessivamente, a mediação por excelência para o divino ou a universalidade – atribuindo a uma nação ou a uma pátria funções que só parecem poder pertencer às consciências individuais - , mas também no comum dos cidadãos, que aparentam não conseguir falar de si, do mundo e da existência sem falar de Portugal e da sua relação feliz ou infeliz, sempre mais emocional do que racional e quase sempre traumática, com o mesmo. Como notou Eduardo Lourenço, padecemos não de falta, mas de excesso de identidade nacional. Creio que deriva daí, como aponta o mesmo autor, o irrealismo prodigioso da imagem que fazemos de nós próprios.
Com efeito, e embora se constate que isso tende e provavelmente tenderá a diminuir nas gerações mais jovens, é um facto que um dos temas mais destacados da cultura portuguesa é o da própria identidade nacional. Portugal como Problema, título de uma antologia de Pedro Calafate, designa aquilo em que a nação se tem convertido para os portugueses em geral: um problema, decerto sem solução, porque carente de real fundamento.
Do mesmo modo que não parece razoável considerar que todos ou a maior parte dos nossos males e bens se relacionem com Portugal, também não se afigura razoável esperar que Portugal venha a ser a solução ou parte da solução de todos os nossos problemas. Isto pela simples razão de que, antes de sermos portugueses, somos homens, seres vivos conscientes e sensíveis, cuja existência e presença no mundo antecede e excede os limites da história, da língua e da cultura que recebemos pela educação e pela imersão no mundo social que nos acolhe. Considerar a nação, enquanto organismo cultural, social e político, o factor determinante da existência e da solução dos nossos problemas existenciais, éticos e intelectuais, individuais e colectivos, é condenar-nos a reproduzir o que tem sido a nossa constante relação de amor-ódio com ela e a sua inevitável frustração contínua: esperando da nação o que ela não pode dar e alienando na identificação com ela o fundo mais íntimo e responsável do nosso ser, julgamo-la de acordo com expectativas irreais e tornamos dependente das suas vicissitudes a nossa felicidade ou infelicidade. Em particular, por essa compenetração entre indivíduo e nacionalidade, o nosso egocentrismo assume dimensão nacional e precipitamo-nos no constante e pendular complexo de inferioridade-superioridade que nos faz sentir ora os piores, ora os melhores do mundo, no círculo vicioso do autocentramento umbilical que caracteriza a hipertrofia do sentimento de identidade, neste caso individual-nacional. Daqui resultam as nossas anedóticas e contrapolares tendências, grosseiramente irrealistas, para nos vermos no centro do mundo ou na sua periferia, como a sua cabeça ou a sua cauda, como os eleitos ou os danados da sua história. Daqui resulta o gosto mórbido de nos maldizermos e depreciarmos constantemente, frustrado reverso do apego onírico e onanista a uma delirante auto-imagem de sucesso e glória planetários – fruto do apogeu dos Descobrimentos - , a qual, sempre desiludida pela natural indiferença da história e da realidade, se compraz na expectativa de sermos pelo menos campeões mundiais ou europeus em futebol ou no facto de termos o melhor jogador do mundo, a maior ponte, o maior ou segundo maior centro comercial, a maior feijoada (ao longo de toda a Ponte Vasco da Gama), etc…
Disto resulta o facto grave de muitos portugueses continuarem a fazer da nação e do seu sentido a principal questão da sua existência, para além do nível relativo em que legitimamente se coloca, relativizando a ela as grandes questões eternas e actuais com que se defronta universalmente a humanidade, como as do sentido da existência, da vida e da morte, a natureza e possibilidades da mente, a relação ética do homem com a natureza, o ambiente e os seres vivos, humanos e não-humanos. Isto configura, quase um século e meio após as Conferências do Casino, um Portugal ainda adormecido, alheio e marginal, pelos piores motivos, às encruzilhadas e dilemas da civilização contemporânea. Um Portugal que padece do problema de se ver como problema e que, assim, não pode ter solução.
Com efeito, e embora se constate que isso tende e provavelmente tenderá a diminuir nas gerações mais jovens, é um facto que um dos temas mais destacados da cultura portuguesa é o da própria identidade nacional. Portugal como Problema, título de uma antologia de Pedro Calafate, designa aquilo em que a nação se tem convertido para os portugueses em geral: um problema, decerto sem solução, porque carente de real fundamento.
Do mesmo modo que não parece razoável considerar que todos ou a maior parte dos nossos males e bens se relacionem com Portugal, também não se afigura razoável esperar que Portugal venha a ser a solução ou parte da solução de todos os nossos problemas. Isto pela simples razão de que, antes de sermos portugueses, somos homens, seres vivos conscientes e sensíveis, cuja existência e presença no mundo antecede e excede os limites da história, da língua e da cultura que recebemos pela educação e pela imersão no mundo social que nos acolhe. Considerar a nação, enquanto organismo cultural, social e político, o factor determinante da existência e da solução dos nossos problemas existenciais, éticos e intelectuais, individuais e colectivos, é condenar-nos a reproduzir o que tem sido a nossa constante relação de amor-ódio com ela e a sua inevitável frustração contínua: esperando da nação o que ela não pode dar e alienando na identificação com ela o fundo mais íntimo e responsável do nosso ser, julgamo-la de acordo com expectativas irreais e tornamos dependente das suas vicissitudes a nossa felicidade ou infelicidade. Em particular, por essa compenetração entre indivíduo e nacionalidade, o nosso egocentrismo assume dimensão nacional e precipitamo-nos no constante e pendular complexo de inferioridade-superioridade que nos faz sentir ora os piores, ora os melhores do mundo, no círculo vicioso do autocentramento umbilical que caracteriza a hipertrofia do sentimento de identidade, neste caso individual-nacional. Daqui resultam as nossas anedóticas e contrapolares tendências, grosseiramente irrealistas, para nos vermos no centro do mundo ou na sua periferia, como a sua cabeça ou a sua cauda, como os eleitos ou os danados da sua história. Daqui resulta o gosto mórbido de nos maldizermos e depreciarmos constantemente, frustrado reverso do apego onírico e onanista a uma delirante auto-imagem de sucesso e glória planetários – fruto do apogeu dos Descobrimentos - , a qual, sempre desiludida pela natural indiferença da história e da realidade, se compraz na expectativa de sermos pelo menos campeões mundiais ou europeus em futebol ou no facto de termos o melhor jogador do mundo, a maior ponte, o maior ou segundo maior centro comercial, a maior feijoada (ao longo de toda a Ponte Vasco da Gama), etc…
Disto resulta o facto grave de muitos portugueses continuarem a fazer da nação e do seu sentido a principal questão da sua existência, para além do nível relativo em que legitimamente se coloca, relativizando a ela as grandes questões eternas e actuais com que se defronta universalmente a humanidade, como as do sentido da existência, da vida e da morte, a natureza e possibilidades da mente, a relação ética do homem com a natureza, o ambiente e os seres vivos, humanos e não-humanos. Isto configura, quase um século e meio após as Conferências do Casino, um Portugal ainda adormecido, alheio e marginal, pelos piores motivos, às encruzilhadas e dilemas da civilização contemporânea. Um Portugal que padece do problema de se ver como problema e que, assim, não pode ter solução.
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10 comentários:
na realidade portugal é mesmo um problema. um problema com origem no 'chico-espertismo', não nos interessa melhorar, interessa-nos parecer melhores..com a parecer poupamos trabalho e vivemos numa felicidade, que num ápice se transforma numa angústia que aceitamos como destino (fado). não nos conhecemos de outra forma. só partimos quando não temos outra possibilidade, somos o povo da aparência. tempos escuros, estes.
povo comodista,m da aparencia e da constante pausa para tomar a bica ou fumar um cigarro...
frag.
Não vêem que, ao escreverem isto, estão a fazer parte do mesmo problema que o post denuncia!?...
não quero entrar na ideia do saudosismo do que "fomos", mas analisando um pouco o espírito que determinava as acções do tempo em que havia força, querer e capacidade de desafiar o ignoto, há uns séculos, parece que caiu sobre este povo uma "maldição" plurifacetada, de onde destaco a incapacidade de mobilização e de acreditar que a dimensão de grandiosidade não se mede pelos valores (capilaeuropistas) que se esbatem por todos os sectores da sociedade. por isso, eu subscrevo a ideia de que devíamos começar por aí, pois tal como numa doença física, o primeiro passo é reconhecer que ela existe, para depois reunir as habilidades e caminhos para a desvanecer e erradicar.
h
Estar do verdadeiro lado da solução - como é uso ouvir-se muito dizer, mas pouco fazer - é, creio, considerar que, de facto, Portugal "não é um problema". A questão é, como aqui no texto se diz, "o problema de se ver como problema".
Ademais, por cá temos o péssimo e inconsciente hábito de confundir dois pares de quatro coisas retinta mas subtilmente diferentes:
1. Pôr um problema
2. Levantar problemas
3. Querer problemas
4. Arranjar problemas
1. Pôr uma questão
2. Levantar uma questão
3. Pôr em questão
4. Questionar(-se)
As sub-nuances disto são, é claro, as mais variadas.
Por certo, todo o português, quando atolado entre as quatros fronteiras do nosso pequeno terrítório atribui à "nação ou (à) pátria funções que só parecem poder pertencer às consciências individuais".
O que se verifica é que esta tal "consciência individual" só leva um verdadeiro abanão e desperta do sonorífero folhetim nacional quando, ou está entregue a si mesmo no estrangeiro, ou quando como tal se sente sufocada no interior de si mesma.
O ponto, parece-me, é que, no primeiro caso, o português arregaça as mangas e vai à liça, sem mesmo necessitar de conjugar nenhum dos pares de verbos acima; no segundo, ensimesma-se e choraminga, saudosamente inerte, querendo encontrar a Solução, conjugando-os todos os verbos ao mesmo tempo.
A “dimensão de grandiosidade” a que se alude num dos comentários remete porventura, entre imensíssimas outras analogias possíveis, para a dimensão de imensidão, enquanto “movimento do homem imóvel “(Gaston Bachelard: vide o post com o texto deste), perspectiva esta riquíssima, que muito deve fazer-nos meditar, nós que somos, quer da raça daqueles viandantes-marinheiros da melhor pragmática, descobridores de tudo o que houve então para descobrir, quer desses outros viandantes da theorese e da contemplação, mais dados a outros mais íntimos mares e mais oclusos adamastores, como as figuras referenciadas no texto.
Sou algo levado, entretanto, a pensar que o caminho hoje (e cada um tem o seu, pessoal e intransmissível) está algures entre a “conferência” íntima de onde esteja, em nós, esse espaço do arrojo de ser livre - o nosso “casino” da grandiosidade de querermos ser imensamente - e de nos vivermos, de novo aliás, mais do lado do (re)encontro e da co-laboração, do que da mera descoberta pessoal ou do colectivo ocultamento.
Custa sempre aprender a ser, em um universo tão pequenino, quando se pertence a um universo tão grande.
«Isto pela simples razão de que, antes de sermos portugueses, somos homens, seres vivos conscientes e sensíveis, cuja existência e presença no mundo antecede e excede os limites da história, da língua e da cultura que recebemos pela educação e pela imersão no mundo social que nos acolhe.»
Como podemos descobrir, desvelar, desnudar, desocultar esta existência e presença no mundo que antecede e excede os limites?
A experiência do limite é já a do ilimitado. Basta suspender as nossas crenças e conceitos habituais e ficarmos nessa estranheza que, súbita ou gradualmente, se revela a nossa mais funda intimidade.
é por isso q temos uma existência de limbo, fragmentos de imanente e transcendente, Paulo?
frag.
Porventura tudo é um limbo, Fragmentus, entre ser e não-ser...
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