terça-feira, 9 de junho de 2009
O grande desafio de Portugal: o bem comum do planeta e de todas as formas de vida
Publico a entrevista concedida ao Jornal de Leiria, que será utilizada na edição de 6ª feira.
- Como caracteriza o povo português?
Talvez a maior característica do povo português seja ser incaracterizável, o que não é necessariamente negativo, pois é isso que nos tem permitido a flexibilidade de conviver e dialogar com todos os povos e culturas. Somos um povo oceânico, com um grande poder de metamorfose.
- De onde vem a identidade que faz dos portugueses um povo desorganizado, mas lutador?
Não creio que existam “identidades” individuais e colectivas, no sentido de entidades com características permanentes, independentes das interacções e do devir histórico. Gosto todavia de recordar a definição dos lusitanos pelo romano Gaius Julius Caesar, como o “estranho povo” “que não se governa, nem se deixa governar”. Haveria assim, numa linha dos nossos antepassados, um fundo libertário e an-árquico, pelo menos na perspectiva de um representante da Pax romana. Isto não impedia que os lusitanos se unissem, quando ameaçados na sua independência, em torno de um chefe carismático, como Viriato. Creio que foi esse mesmo amor à independência, aliado a factores culturais, que originou Portugal e que o manteve contra as tentativas de integração em Castela. Foi isso que nos recortou fronteiras e que, depois, nos fez romper essas mesmas fronteiras, tornando-nos viajantes e habitantes de todo o mundo.
Hoje, todavia, parece que essa insubmissão e arrojo escasseiam, o que parece acontecer sempre que não somos confrontados com situações de grande opressão, risco ou desafio. Deixamo-nos governar por minorias, como acontece em toda a Europa, pois a maioria abstém-se nas eleições. O impulso lutador não surge a nível de um projecto colectivo, que manifestamente não existe, não havendo também um líder carismático que se imponha pelo seu exemplo e visão. A capacidade de luta confina-se a indivíduos e grupos que pugnam apenas por interesses particulares, na cultura, na política e na economia.
- Os povos latinos são mais descontraídos que os nórdicos. Terá a ver com o clima, meio ambiente, o que oferece a natureza...? Ou serão outras razões?
O clima e o meio ambiente são factores importantes, que já Aristóteles reconhecia como diferenciadores dos povos. Todavia há também factores culturais e étnicos. Agostinho da Silva, na linha de Max Weber, salientou a influência da mentalidade protestante no culto do trabalho que haveria de fazer surgir o capitalismo no norte da Europa. Eu iria mais longe, considerando que o voluntarismo bélico das invasões indo-europeias impregnou mais o Norte da Europa, enquanto o Sul permaneceu mais mesclado com as culturas indígenas e semitas, mais contemplativas e ligadas aos ritmos da terra.
Dito isto, é evidente que o espírito mais activo e organizado dos nórdicos é uma mais-valia quando posto ao serviço de boas causas, como a cidadania, a ecologia e a protecção dos animais, em que superam largamente os povos latinos.
- A era dos Descobrimentos marcou a nossa cultura? Foi por tudo o que passámos que somos aquilo que somos hoje? Que 'marca' terá deixado essa época?
Aquilo que vamos sendo é sempre, no presente, fruto do que fizemos no passado e do que desejamos ser no futuro. Os Descobrimentos marcaram-nos profundamente, deixando sobretudo a saudade de um apogeu e de uma grandeza que, a meu ver, não são apenas do poder e da riqueza material de que fugazmente usufruímos no mundo, mas sobretudo, embora inconscientemente, de havermos vivido e convivido à escala do planeta. É por isso que o pequeno Portugal e a limitada Europa não nos podem satisfazer plenamente. O problema é que, em vez de assumirmos o sentido mais fundo do nosso desejo de grandeza, andamos em busca de vãs compensações do nosso sentimento de carência, como sermos campeões do mundo de futebol, termos a maior ponte, o maior centro comercial, etc. Querer ser grande é o sintoma de quem se sente menor por não reconhecer o que há, desde já, de grande e insuperável em si.
- De que forma a cultura e maneira de ser dos portugueses condiciona o que são e o que serão no futuro?
Pelo que já disse, somos um povo que, embora actualmente estagnado, em termos colectivos, é todavia imprevisível. Creio que tudo depende de assumirmos um grande desafio colectivo, que nos leve a superar-nos e a darmos o melhor de nós mesmos para o realizar. Olhando para o mundo de hoje, só vejo como desafio digno de o ser o vivermos não apenas para nós, nem somente para os nossos próximos pela história, língua e cultura, mas para o bem comum de todo o planeta e de todas as formas de vida. Uma pequena nação como Portugal pode tornar-se grande pela promoção de um grande ideal universal, benéfico para todos, como a defesa da natureza, do meio ambiente, dos direitos humanos e dos direitos de todos os seres vivos, com todas as consequências culturais, sociais, políticas e económicas disso. Esse é o melhor desafio que Portugal e o mundo lusófono podem assumir, na linha do que sobre eles pensaram Camões, Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva. Costumo chamar a isto o patriotismo trans-patriótico e universalista. Colocar o melhor da nossa cultura e das nossas energias e potencialidades ao serviço da felicidade e bem-estar de todos os seres. Só assim poderemos ser um dos embriões dessa nova civilização a que todos no fundo aspiramos, miticamente designada como Quinto Império. Sem isso, pouco nos resta senão sermos uma reserva turística do mundo, no limbo da grande encruzilhada que hoje se desenha entre as forças do obscurantismo mundial e esse novo paradigma emergente nas consciências mais despertas.
- Como caracteriza o povo português?
Talvez a maior característica do povo português seja ser incaracterizável, o que não é necessariamente negativo, pois é isso que nos tem permitido a flexibilidade de conviver e dialogar com todos os povos e culturas. Somos um povo oceânico, com um grande poder de metamorfose.
- De onde vem a identidade que faz dos portugueses um povo desorganizado, mas lutador?
Não creio que existam “identidades” individuais e colectivas, no sentido de entidades com características permanentes, independentes das interacções e do devir histórico. Gosto todavia de recordar a definição dos lusitanos pelo romano Gaius Julius Caesar, como o “estranho povo” “que não se governa, nem se deixa governar”. Haveria assim, numa linha dos nossos antepassados, um fundo libertário e an-árquico, pelo menos na perspectiva de um representante da Pax romana. Isto não impedia que os lusitanos se unissem, quando ameaçados na sua independência, em torno de um chefe carismático, como Viriato. Creio que foi esse mesmo amor à independência, aliado a factores culturais, que originou Portugal e que o manteve contra as tentativas de integração em Castela. Foi isso que nos recortou fronteiras e que, depois, nos fez romper essas mesmas fronteiras, tornando-nos viajantes e habitantes de todo o mundo.
Hoje, todavia, parece que essa insubmissão e arrojo escasseiam, o que parece acontecer sempre que não somos confrontados com situações de grande opressão, risco ou desafio. Deixamo-nos governar por minorias, como acontece em toda a Europa, pois a maioria abstém-se nas eleições. O impulso lutador não surge a nível de um projecto colectivo, que manifestamente não existe, não havendo também um líder carismático que se imponha pelo seu exemplo e visão. A capacidade de luta confina-se a indivíduos e grupos que pugnam apenas por interesses particulares, na cultura, na política e na economia.
- Os povos latinos são mais descontraídos que os nórdicos. Terá a ver com o clima, meio ambiente, o que oferece a natureza...? Ou serão outras razões?
O clima e o meio ambiente são factores importantes, que já Aristóteles reconhecia como diferenciadores dos povos. Todavia há também factores culturais e étnicos. Agostinho da Silva, na linha de Max Weber, salientou a influência da mentalidade protestante no culto do trabalho que haveria de fazer surgir o capitalismo no norte da Europa. Eu iria mais longe, considerando que o voluntarismo bélico das invasões indo-europeias impregnou mais o Norte da Europa, enquanto o Sul permaneceu mais mesclado com as culturas indígenas e semitas, mais contemplativas e ligadas aos ritmos da terra.
Dito isto, é evidente que o espírito mais activo e organizado dos nórdicos é uma mais-valia quando posto ao serviço de boas causas, como a cidadania, a ecologia e a protecção dos animais, em que superam largamente os povos latinos.
- A era dos Descobrimentos marcou a nossa cultura? Foi por tudo o que passámos que somos aquilo que somos hoje? Que 'marca' terá deixado essa época?
Aquilo que vamos sendo é sempre, no presente, fruto do que fizemos no passado e do que desejamos ser no futuro. Os Descobrimentos marcaram-nos profundamente, deixando sobretudo a saudade de um apogeu e de uma grandeza que, a meu ver, não são apenas do poder e da riqueza material de que fugazmente usufruímos no mundo, mas sobretudo, embora inconscientemente, de havermos vivido e convivido à escala do planeta. É por isso que o pequeno Portugal e a limitada Europa não nos podem satisfazer plenamente. O problema é que, em vez de assumirmos o sentido mais fundo do nosso desejo de grandeza, andamos em busca de vãs compensações do nosso sentimento de carência, como sermos campeões do mundo de futebol, termos a maior ponte, o maior centro comercial, etc. Querer ser grande é o sintoma de quem se sente menor por não reconhecer o que há, desde já, de grande e insuperável em si.
- De que forma a cultura e maneira de ser dos portugueses condiciona o que são e o que serão no futuro?
Pelo que já disse, somos um povo que, embora actualmente estagnado, em termos colectivos, é todavia imprevisível. Creio que tudo depende de assumirmos um grande desafio colectivo, que nos leve a superar-nos e a darmos o melhor de nós mesmos para o realizar. Olhando para o mundo de hoje, só vejo como desafio digno de o ser o vivermos não apenas para nós, nem somente para os nossos próximos pela história, língua e cultura, mas para o bem comum de todo o planeta e de todas as formas de vida. Uma pequena nação como Portugal pode tornar-se grande pela promoção de um grande ideal universal, benéfico para todos, como a defesa da natureza, do meio ambiente, dos direitos humanos e dos direitos de todos os seres vivos, com todas as consequências culturais, sociais, políticas e económicas disso. Esse é o melhor desafio que Portugal e o mundo lusófono podem assumir, na linha do que sobre eles pensaram Camões, Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva. Costumo chamar a isto o patriotismo trans-patriótico e universalista. Colocar o melhor da nossa cultura e das nossas energias e potencialidades ao serviço da felicidade e bem-estar de todos os seres. Só assim poderemos ser um dos embriões dessa nova civilização a que todos no fundo aspiramos, miticamente designada como Quinto Império. Sem isso, pouco nos resta senão sermos uma reserva turística do mundo, no limbo da grande encruzilhada que hoje se desenha entre as forças do obscurantismo mundial e esse novo paradigma emergente nas consciências mais despertas.
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21 comentários:
Esquece Portugal. Já perdemos o comboio do futuro. Qualquer país nórdico envergonha-nos no que respeita a este grande desafio. E da Lusofonia nem se fala! Veja-se como tratam a natureza e os animais em Portugal, Brasil e África!...
Não tenho vergonha nenhuma em ser portuguesa.Enquanto estivermos vivos não perdemos qualquer comboio, a não ser que não haja comboio ou vida!Passado ou futuro tudo é sempre mudança. Em círculos. A não ser que a mudança não seja.
Gostaria de saber mais sobre o Viriato. Alguém me aconselha?
Parabéns pela entrevista, Paulo. Gostei muito.
Aurora, se gosta de romances históricos, aconselho a leitura de João Aguiar, o livro A Voz dos Deuses. Para saber mais de imediato, pode ler este documento.
Portugal e a Lusofonia são uma eterna promessa adiada. Onde abundam os profetas proliferam as decepções.
Não quero aqui pronunciar-me sobre as questões concretas do projecto da Lusofonia, a parte material da acção. Diria que no mais fundo em mim creio acreditar na vocação espiritual da língua e do país. Quem não gostaria que o desafio (utópico também, pois claro!) de Portugal,fosse "o bem comum do planeta e de todas as formas de vida". Nesse grande desafio me empenho, nos caminhos que não se medem em caminhos físicos apenas.
A cada um cabe a sua missão ou missões....
Um abraço nesse nobre destino para Portugal.
Esqueci-me do link para o documento:
http://www.esferadoslivros.pt/pdfs/viriato.pdf
A nossa e grande missão é assumir todas: ser tudo de todas as maneiras. Ser monge, poeta, político e tudo o mais.
Também concedo que sim, Anónimo.
Portugal é um vagabundo.
Claro! Sabes de onde vem "vagabundo"? De "vagamundo".
Topas!?
Paulo e leitores do Serpente e do Saudades,
Divulga-se, pois então!
Vou fazer os possíveis por estar presente.
http://saudades-futuro.blogspot.com
Um abraço
Portugal morreu. E nós agoniamo-nos todos os dias ao respirar os odores de putrefacção do seu cadáver. Deixem-se de ilusões, meus amigos! Lidem com a realidade: Todo o que nasce, morre e toda a tentativa de o resuscitar resulta em tragicomédia. Querem melhor "opera buffa" do que o site da Nova Águia?
É bem verdade. Portugal morreu e as tentativas de ressurreição são o seu enterro. O melhor de nós já faz parte do trans-Portugal futuro, isso que aí vem e ninguém sabe. Pressente-se apenas, em suspenso espanto e maravilha.
Que importam Portugal e a Lusofonia perante a felicidade de todos os seres!?
abaixo a nova aguia e o mil. viva o PPA
Um grande desafio...
Os vagabundos são o ouro do mundo.
Portugal também o seria, se ressuscitasse para ser vagamundo.
Neste sentido que lhe é dado, Portugal é um mar que se pode espalhar pelo mundo. Podemos escolher fazer parte dele ou não. Água ou fogo?
Não acredito que este mar caiba na Assembleia da República ou no Parlamento.
Não cabe, mas por isso mesmo é importante que lá chegue, para os inundar.
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