O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Da "pseudo-universalidade" do "reino do uniforme" como principal obstáculo ao "diálogo entre culturas"

"[...] vejo hoje o pensamento estranhamente desprovido perante o reino do uniforme que, pelo facto de atingir doravante os limites do planeta, estabelece a sua lei - lei da força oculta e não do direito; e que, para além do sentimento de perda, nostalgicamente experimentado mas culpabilizando-se a si mesmo por não saber harmonizar-se com a nova dimensão das coisas, este colectivo atolamento no uniforme não é na verdade criticado: que a sua pseudo-universalidade não é claramente analisada. Ora, é no entanto precisamente aí, creio, que o desejado diálogo entre culturas encontra o seu principal obstáculo; como também a sua maior utilidade. Pois, tomando a uniformização ambiente pelo universal, falha-se ao mesmo tempo o recurso - que não seja somente conservatório ou museológico - da diversidade das culturas; assim como o plano - que não seja somente de imitação ou de assimilação - sobre o qual elas poderiam encontrar-se"

- François Jullien, De l'universel, de l'uniforme, du commun et du dialogue entre les cultures, Paris, Fayard, 2008, p.37.

2 comentários:

Paulo Feitais disse...

A diferença entre-criativa é o valor fundamental. A uniformização cultural, ou o reversivo acantonamento em nacionalismos alucinados, são duas formas muito nefastas de recusa da cultura como expressão do humano e do que, através dela, tende à inclusão transmutadora e à transcensão superadora.

:)

Paulo Borges disse...

Bem e precisamente o dizes, Paulo. Há que dia-logar e trans-logar, para ir além do lugar acolhendo nele todos os outros lugares e o trans-lugar Outro que em todos eles há. Ainda sonho que Portugal possa ser um lugar, ainda que aproximado, disso. Decerto que não com "nacionalismos alucinados".