O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 17 de janeiro de 2009

Perguntas a Pablo Neruda no centenário de seu nascimento

“Quando se dita debaixo da terra
a designação da rosa?”
Pablo Neruda, Libro de las Preguntas

Janeiro é um pedaço de brasa extraviada
que inaugura o ciclo da água?


É verdade que os ingleses não saltam?
Os presidentes estão isentos de subir nos colectivos?

Por que às vezes quando dói a alma ri a poesia?
Por que não tem emprego se sobra o trabalho?

Um operário da Ford
vale menos que um carro?

O pedreiro que ergue maravilhas vive numa casa
sem reboco? Tem janela para ver o vizinho?

É que os varredores leva a terra do centro
das cidades para que reviva nas ourelas?

Tem essa mulher um homem em seu braço
ou uma carteira?

Quem se anima a jurar que o Chê é morto?
E por certo, querido Pablo, Miguel e Frederico?

Dobram os sinos?

Vale mais um homem ou a palavra?
Ou um homem de palavra?

Desmancha de rir o menino com chocalho
Ou é o chocalho que solta gargalhadas da justiça?

É que quem vai embora tinha pátria
ou a pátria é virtude em vias de extinção?

Sabe a história se alguma vez, o mundo,
respirou livre de impérios e traidores?

É a lua o jasmim mais próximo do abraço?

Terminará no cárcere também o silêncio cúmplice?

É que há muitos gatos ou os pássaros não morrem?

Desprendeu-se um retalho constelado
ou um menino traçou seu mapa da noite com um dedo?

Que aconteceria se nos hospitais
se deixasse de administrar amor em generosas doses?

Quando entenderá o homem que a mulher leva

a gota de sumo do mundo nos seus lábios?


Regressei um navio?

Por que os ministérios da Economia
são mais importantes que os ministérios da Cultura?

Onde se acabam as perguntam? Então calo, na boca?

Por que a poesia, Neftalí Reyes, companheiro,
entre os escombros como uma rosa indomável?

Poema de Gabriel Impaglione

Tradução de António Miranda

2 comentários:

Anónimo disse...

De tantas questões levantadas à minha memória de Pablo, relevo, Liliana: “Janeiro é um pedaço de brasa extraviada que inaugura o ciclo da água?”; “É a lua o jasmim mais próximo do abraço?” e também, “É que há muitos gatos ou os pássaros não morrem?”, Talvez por que sejam as que mais
proximamente longe me segredam a metáfora do olhar.


Obrigada e um abraço.

Liliana Gonçalves disse...

Cara saudades,
as questões que aqui mais retiro são:
"Vale mais um homem ou a palavra?
Ou um homem de palavra?"

"Sabe a história se alguma vez, o mundo,respirou livre de impérios e traidores?"

e aquelas em comum tenho consigo são

"É a lua o jasmim mais próximo do abraço?"(esta retenho por motivos óbvios)

"É que há muitos gatos ou os pássaros não morrem?"

um abraço,

liliana