O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Criação e destruição da linguagem, dinamitação e pulverização de sentido



I
PANDEMOS


Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!

Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrica donstália penicela
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão boíneos, ó primana!

Dentívolos palpículos, baissai!
Lingâmicos dolins, refucarai!
Por manivornas contumai a veste!

E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.



IV
AMÁTIA


Timbórica, morfia, ó persefessa,
meláina, andrófona, repitimbídia,
ó basilissa, ó scótia, masturlídia,
amata cíprea, calipígea, tressa

de jardinatas nigras, pasifessa,
luni-rosácea lambidando erídia,
erínea, erítia, erótia, erânia, egídia,
eurínoma, ambológera, donlessa.

Áres, Hefáistos, Adonísio, tutos
alipigmaios, atilícios, futos
da lívia damitada, organissanta,

agonimais se esforem morituros,
necrotentavos de escancárias duros,
tantisqua abradimembra a teia canta.


Jorge de Sena, "Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena",
in "Poesia II", Moraes Editores, Lisboa, 1978, págs. 151 e seg.



Na sua nota sobre “Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena”, que consta do posfácio ao livro “Metamorfoses", dois dos quais aqui se transcrevem, diz Jorge de Sena:

"Quanto aos Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena, […] trata-se de uma experiência (...) para sugerir mais amplamente do que a própria metáfora ambígua, com as suas fixações de sentido, o poderia fazer. Não se trata, portanto, creio eu, nem da transposição do limbo onírico da linguagem, como faz o Joyce de Finnegans Wake, nem da amplificação estilística da linguagem escrita, pela intromissão das formas da deformação oral, como faz Guimarães Rosa. O que eu pretendo é que as palavras deixem de significar semanticamente, para representarem um complexo de imagens suscitadas à consciência liminar pelas associações sonoras que as compõem.
Eu não quero ampliar a linguagem corrente da poesia; quero destrui-la como significação, retirando-lhe o carácter mítico - semântico, que é transferido para a sobreposição de imagens (no sentido psíquico e não estilístico), compondo um sentido global, em que o gesto imaginado valha mais do que a sua mesma designação. No último soneto, a maior parte das palavras não é inventada, mas os epítetos gregos de Afrodite.
E creio ser curioso como, ligeiramente transformados na acentuação (alguns), igualmente contribuem para a criação de uma atmosfera erótica, concreta, cuja concretização não depende do sentido das palavras, mas da fragmentação delas integrada num sentido mais vasto, evolutivo e obsessivo. E creio que, assim, é possível dizer tudo em linguagem poética, sem dizer o que, pelo carácter simbólico e conciso desta linguagem, não pode ser dito sem mau gosto e sem ridículo, como aconteceu ao D.H. Lawrence, quando quis misturar "poesia" e "prosa" para dizer "tudo".
O tudo expressamente dito, é, e tem de ser cada vez mais, o apanágio da ficção. E é preciso que se liquide de uma vez a ilusão de que a ficção pertence à poesia como tal: só pertence à poesia genericamente considerada como criação e construção de estilo. A poesia como criação de linguagem é supra-real, isto é, engloba a realidade e a sua mesma representação linguística.
"


Nota: Se bem que com pressupostos e intenções diferentes, também Ângelo de Lima e Antonin Artaud haviam feito anteriormente experiências com os limites da linguagem, de que se transcrevem alguns exemplos.


EDD'ORA ADDIO...--MIA SOAVE!..._
Ângelo de Lima

Aos meus amigos d'Orpheu


--Mia Soave...--Ave?!...--Alméa?!...
--Maripoza Azual...--Transe!...
Que d'Alado Lidar, Canse...
--Dorta em Paz...--Transpasse Idéa!...

--Do Occaso pela Epopéa...
Dorto... Stringe... o Corpo Elance...
Vae Á Campa...--Il C'or descanse...
--Mia Soave...--Ave!...--Alméa!...

--Não Doe Por Ti Meu Peito...
--Não Choro no Orar Cicio...
--Em Profano...--Edd'ora... Eleito!...

--Balsame--a Campa--o Rocío
Que Cahe sobre o Ultimo Leito!...
--Mi' Soave!... Edd'ora Addio!...


Fonte: http://www.gutenberg.org/ebooks/23621


Poemas em glossolalia
Antonin Artaud


ratara ratara ratara
atara tatara rana

otara otara katara
otara retara kana

ortura ortura konara
kokona kokona koma

kurbura kurbura kurbura
kurbata kurbata keyna

pesti anti pestantum putara
pest anti pestantum putra


* * *

potam am cram
katanam anankreta
karaban kreta
tanamam anangteta
konaman kreta
e pustulam orentam
taumer dauldi faldisti
taumer oumer
tena tana di li
kunchta dzeris
dzama dzena di li

* * *

Talachtis talachtis tsapoula
koiman koima Nara
ara trafund arakulda


Fonte: http://gismontizado.blogspot.com/2008/12/antonin-artaud.html

14 comentários:

Laura disse...

Confesso que de alguns destes textos, nomeadamente os poemas, não percebi nada. Nada de nada. Nadinha de todo. :)

Laura disse...

Tchipepua tchipua
Tchivala tchirimba

:D

Luiz Pires dos Reys disse...

Madalena,

Destaco-lhe, do texto que postei, de Jorge de Sena, a seguinte passagem, que fala da intenção do poeta:

"O que eu pretendo é que as palavras deixem de significar semanticamente, para representarem um complexo de imagens suscitadas à consciência liminar pelas associações sonoras que as compõem.
Eu não quero ampliar a linguagem corrente da poesia; quero destrui-la como significação, retirando-lhe o carácter mítico - semântico, que é transferido para a sobreposição de imagens (no sentido psíquico e não estilístico), compondo um sentido global, em que o gesto imaginado valha mais do que a sua mesma designação. No último soneto, a maior parte das palavras não é inventada, mas os epítetos gregos de Afrodite."

Basicamente, o que está em questão é libertar a poesia, linguagem carregada de significação, do espartilho disso mesmo, e devolvê-la a uma dimensão "incantatória", como o são, por exemplo, mantras, ladaínhas ou simples mnemónicas.
No caso destas últimas, acontece precisamente que quanto mais elas sejam repetidas despidas do seu sentido, mais facilmente logram ser "fixadas" na memória que as passa a replicar por si.

Anónimo disse...

mexexe mexexe
timbi
ozimata
parol
bemba
ba

Laura disse...

Como o "Ooooommmmm". Tive experiências estranhas com o Om. Mas tchipepua tchipua tchivala tchirimba deve ter - para mim - um poder semelhante a esse que refere, Lapdrey. Na verdade, tem uma tradução. Significa "o que é bom, acaba, o que dói esquece". Mas talvez por esse poder "incantatório" do som, ressoam na minha cabeça uma e outra vez.
Gostei muito. Hei-de experimentar escrever algo semelhante.

Luiz Pires dos Reys disse...

Caro Xomexe, vamos fazer um exercício.

Sabe que língua é esta?

"Oq ueu pre ten doeq ueasp a lav rasde ixem desig nifi carse mant icame ntepar arepr esent aremumc om ple xodeima gens susci tadas acons cien cialimi narpelas asso ciaco essono rasque ascom po emeu naoqu eroam pliara ling uagemc orren teda poes iaqu erodes truil acomosi gnif icac aoreti randol heo carac termi ticose manti coque etran sferi dopara asobre posic aodeim agens nosen tidopsi qui
coen aoes tilísti cocom pond oumsen tidoglo balem que oge stoi magin adoval hamai sdo que asua mes madesi gnac aonou ltim osone toama iorpar ted aspal avrasn ao ein ven tadama sosepit etos greg osdeaf rodi te."

Luiz Pires dos Reys disse...

Esse texto que eu perguntei ao nosso amigo Xomexe em que língua estava escrito, pois bem, está esrito em português. Trata-se do excerto do texto de Sena, que eu citei aqui num outro comentário, a Madalena. É este o texto em questão:

"O que eu pretendo é que as palavras deixem de significar semanticamente, para representarem um complexo de imagens suscitadas à consciência liminar pelas associações sonoras que as compõem.
Eu não quero ampliar a linguagem corrente da poesia; quero destrui-la como significação, retirando-lhe o carácter mítico - semântico, que é transferido para a sobreposição de imagens (no sentido psíquico e não estilístico), compondo um sentido global, em que o gesto imaginado valha mais do que a sua mesma designação. No último soneto, a maior parte das palavras não é inventada, mas os epítetos gregos de Afrodite."


Bastou mudar o ponto em que as palavras são cortadas para desinteligir o fluxo de códigos.
É um disso que Sena fala.

Paulo Borges disse...

Devíamos era falar sempre assim! Não nos entendendo em absoluto, talvez nos compreendêssemos melhor!

Abraço, argonauta da Língua!

Luiz Pires dos Reys disse...

Concordo em absoluto, caro Paulo!

Viva o Argot!
Viva a Língua dos Pássaros!

Anónimo disse...

Vocês são sempre malucos ou é só às vezes?

Luiz Pires dos Reys disse...

Só quase sempre, caro Júlio!
Mas também tenho fases de "quase nunca"...

Depende... de haver por perto Júlios de Matos, para me perguntarem isto!

Anónimo disse...

Não resisto:

Nexecuma
Xecum
ma ma
Cum
Ne


(risos...)

Xemequé
Manú, malé
Cum mané
Xé, xé, xe.

(gargalhadas...)

Ps. Nem calculam a palavra para verificação (risos, muitos) "nicar"

Luiz Pires dos Reys disse...

Ah ah ah!
Eh eh eh!
Hi hi hi!
...

(risos...)
(risadinhas...)
(risadas...)
(gargalhadas...)
(bandeiras despregadas...)
(a partir-se a rir...)
(barriga presa...)

ai ai ai...
(adorei!)

Laura disse...

Caro Júlio de Matos, falo por mim, sou sempre maluca. Mas não creio que ninguém aqui necessite de internamento. Aconselho o livro A Loucura da Normalidade, de Arno Gruen.