O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

As Fontes

Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.


Sophia de Mello Breyner Andresen, in Poesia I, 1944

9 comentários:

Paulo Borges disse...

Madalena, sinto que esse dia é a "Hora" que em nós e tudo a cada instante soa, o mais que pessoano "É a Hora" face ao qual todos os nossos relógios, desejos e esperanças sistematicamente se atrasam...

Laura disse...

Sem dúvida. O que importa é nunca parar de caminhar.

Paulo Borges disse...

Certo, mas a questão que levanto é a da legitimidade de se colocar/adiar como futura uma exigência de cada instante. O "dia" de que fala Sophia, o "dia" da ascensão às "fontes", à "plenitude" e ao "esplendor" prometido, o "dia" do pleno cumprimento de todo o nosso ser, nunca se dará "um dia" se não se der Agora, se não fizermos despontar a cada instante em nós esse "dia"... Não o fazer é permanecer no tempo e morrer com as mãos e a alma cheias de promessas, vislumbres, esperanças e saudades... ou seja, repletas de nada.
É preciso o "já", o salto - agora mesmo! - , para onde desde sempre estamos, para a superabundante "fonte" que somos. Só isso quebra "todas as pontes" em que nos prendemos "à agitação do mundo do irreal", o mundo em que "um dia" não coincide com Agora.

Anónimo disse...

Concordo com o Paulo Borges. Já não há mais tempo. O tempo é agora. O instante eterno da aurora de nós. Abandonemos o intervalo de nós próprios. Já.

Laura disse...

Paulo, Maria Aurora, se fosse assim tão fácil o Agora, já todos teríamos o Céu na Terra. Não há legitimidade em adiar, de facto, mas creio que o Caminho é necessário, por alguma razão. Se não percorrermos o Caminho, diria que o Divino em nós não saberá quem é.

Anónimo disse...

"- amanhã é o nosso endereço permanente
e aí mal nos hão-de achar (se acharem),
mudaremos ainda mais para diante: para agora."
E.Cummings

Madalena, não temos como não percorrer o caminho. Apenas precisamos de compreender que essa espécie de inevitabilidade feliz pode realizar-se agora.
Adiarmo-nos porquê?
Mas o poema é bonito.Grata.

Anónimo disse...

Bolas, esqueci de assinar o comentário anterior. Com tantos anónimos problemáticos não quero ser confundida com qualquer um.É apenas uma questão de ego.

Anonimamente, Maria da Aurora

Liliana Gonçalves disse...

Sophia de Mello Breyner Andresen:)

é a poetisa que em que venero o etéreo, o odor dos elementos da natureza, a fragilidade, o adiar das coisas, o imaginário, a crítica à injustiça...

mas sobretudo o perfume que emana, das suas palavras, como uma fragrância que repousa ao de leve...

levemente como maresia...

Anónimo disse...

Procurar é desencontrar. És o que procuras.