sábado, 10 de janeiro de 2009
Povo que Lavas no Rio
Povo que lavas no rio
E talhas com o teu machado
As tábuas do meu caixão.
Pode haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.
Fui ter à mesa redonda
Bebi em malga que me esconde
O beijo de mão em mão.
Era o vinho que me deste
A água pura, puro agreste
Mas a tua vida não.
Aromas de luz e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição.
Povo, povo, eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida não.
Povo que lavas no rio
E talhas com o teu machado
As tábuas do meu caixão.
Pode haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.
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4 comentários:
Que é o fado senão a erótica memória da nossa própria morte?
Grata pelo fado que aqui traz. “Amaliemo-nos", Maísha!
Paulo,
Para lá de interessante este seu comentário/definição do fado! Acrescentaria, se me permite, que o fado é memória saudosa da nossa mesma morte, cantada na pulsão erótica do que nos falta ou finda, - como diz o poeta - “Essa coisa é que é linda”- É angústia de finitude, prazer intenso na dor de cantar o que sempre falta no que há; desejo de amar a própria dor e nela morrer de alegre tristeza; de triste alegria... em memória da terra e dos céus. Gosto de fado, de “flamenco”, de “la Saeta de los gitanos”, de “rondeñas”... Creio que o flamenco difere do fado, precisamente na exuberância naquele dessa pulsão de existência, paixão aplaudida, cantada e dançada. O fado é, em alguns aspectos, o avesso desse sentimento de alegria; é mais nostálgico, mais fundamente interiorizado no seu irredutível luto. Morte que gosta da morte, que se regozija na dor, virada para dentro, com as mãos da fadista a apertar o xaile ao corpo. Enquanto as sevilhanas se vestem de vermelho e festejam a morte em espectáculo virado para o exterior, o fado é o sentimento interior exteriorizado, ausência, enquanto a música tradicional espanhola é o exterior interiorizado devolvido à fonte do sentimento, enfim... ou talvez não.
Inteiramente de acordo, cara Saudades! Sinto exactamente o mesmo, também em relação ao flamenco e à música gitano-andaluza de que fala. Sinto no fado a vertigem daquele mesmo "duende" de que García Lorca tão bem fala num curto texto sobre a experiência de ouvir certa cantora de flamenco numa tasca obscura, já não sei onde!... Extinto este fogo e estas entranhas não há cultura que valha a uma cultura! Resta a civilização para a amortalhar.
luto e erotismo da saudade. sim.
e eu que achava impossível descrevê-lo, acho belo o que dizem.
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