O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

"De amigo"

E olla meu amigo.
Agora
perante nós
o nada xurde derradeiro
coma toda orixe.

Olla no valeiro do ver.

Aonde, dime, agora, ou en cal peito
baixaría a mañán
para alumear os páxaros
que endexamáis voaron
das miñas maus ao dia.

Imaxe de ninguén
em tódollos espellos.

A ponla do mencer
esmoreceu na noite
e ti no irse
meu eu de min.
O nada.

E olla meu amigo.

- José Angél Valente [Orense, 25.4.1929-Genebra, 18.7.2000], Cántigas de alén, in El Fulgor, Antología poética (1953-2000), Barcelona, Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, 2001, p.342.

5 comentários:

Luiz Pires dos Reys disse...

Reverberou-me em ecos de ermos, caro Paulo, a indistância que a cada "olla meu amigo" enuncia, em espanto e enigma, a "maxe de ninguén em tódollos espellos"...

Abraço
"derradeiro coma toda orixe"

Anónimo disse...

Sabem o que quer dizer "valeiro"? Vazio.

Anónimo disse...

Isto é a língua dos hereges priscilianistas?

Luiz Pires dos Reys disse...

Isso a que a Maria da (Maculada?) Conceição se refere, a ser alguma coisa (o que é muito de duvidar)- é linguagem, não língua.

Língua é órgão da fala ou organon do comunicar.

Numa e noutra coisa, Roma e lá o seu Vaticano (de péssinmos vatícios) infelizmente tem dado e continua a dar exemplos de como nunca se fazer as coisas.

Prisciliano, fosse lá o que fosse, hoje talvez estivesse a desmascarar cúrias, e algumas incúrias também: lembra-se do Banco Ambrosiano, minha amiga, lembra?

Lembra como isso - que é mil vezes pior do que qualquer coisa que a minha amiga imagina que seja o que há quem imagine que seja o priscilianismo - lembra como isso levou a um conjunto de iniquidades, corrupções e assassinatos, incluído o dum papa, João Paulo I? Pois deve lembrar...

É melhor então ficar um pouco mais caladinha, por causa de certos telhadinhos de vidro, não lhe parece?

Assim faz uma menos má figura, e caem-lhe na cabeça menos ácaros de sotainas que já não há...

Agora todos se vestem (com blazers Armani?) como o Cardeal Marcinkus, de péssima memória. Porque será?
Humm.... espero não estar certo ....

(Vou já a correr confessar-me: por ... bons pensamentos!)

P.S.
Pronto!
Obrigado, minha amiga! Sempre me fez desentupir a bílis, antes de jantar.

Anónimo disse...

"o nada xurde derradeiro como toda orixe". Este é o eco que me cala fundo..."meu eu de min./O nada.

Muito belo poema. Muito conforme ao que me sinto hoje.

"Onde, diz-me, agora, ou em qual peito/baixaria a manhã"... E todos, todos os versos são o mesmo
"xurdir" (gosto da palavra) do nada.

Obrigada, Paulo, este soube-me mesmo bem.