O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Pluma


Para a Ana Margarida Esteves e para todos os Emplumados


Que triste não saber florir!
Que venda , Senhor, lhes vendou os olhos
Para que não vejam o milagre da vida
A aconter, mesmo ao mais escuro milagre
Porque ao que sabe florir
Até o mais raso malmequer é estrela
Se à palavra deixarmos voar
Em níveos céus, e ao corção deixarmos o dizer.
Nunca a lata será triste e feia
Se tocada pelos olhos de Deus
Que não tem olhos nem é
O que perdoa ou castiga.
O Homem que não traz camisa
E o frio lhe fustiga o corpo
E quase o mata, há-de sempre suavisar,
Há-de sempre amortecer a dor
O que caminha na senda do bem.
Não há felicidade fora de nós, sem Ele
Nem dentro de nós a há, fora Dele.
Chamemos-lhe o que cada um
Nomeie no que em si mais alto arda
É aí que nos encontraremos sempre
Unidos como nem os que o mais são
Ousaram ser.
Não consumimos Deus nem Ele nos consome
Ele é em nós e nós nele
Somos um terceiro que é Todo e o mesmo.
Deus não perdoa ao mau nem ao bom
Não nos perdoa o havermos traído
A sua entrega e o seu Amor.
Deus não vinga a si mesmo.
Nem é de alguém propriedade
Nem de si, nem do Mundo nem de Deus
O segredo da Serpente é aí, nesse Amor
Com plumas que das plumas se renasce
O que nem plumas tem, nem vendo o acho
Com qualquer sinal de Ser o vejo
Em mim arder: uma fogueira que queima
Mas não destói. Uma Luz de tão negro ser
Que é alta a chama e arde em combustão
Acesa em nós, de sagrado não ser.

2 comentários:

Paulo Borges disse...

Grato, Saudades, mas no "salto" de que fala Bernardo Soares "para fora de Deus" e para além "do ser e do não ser".

Luiz Pires dos Reys disse...

Cara Saudades,
A boa da Ana Margarida, aqui dedicanda e seus etecéteras...
deve estar a ler (e cito-a):

"filosofia, sociologia e outras '-ias', sejam elas reaccionarias, revolucionarias, nem-carne-nem-peixe, narcisisto-desconstrucionistas, marxistas-dor-de-cotovelistas, pos-modernas-a-minha-perversao-e-tao-valida-quanto-a-tua, teologico-libertadoras-das-costureirinhas-de-favela-das-ratas-de-sacristia-e-do-ti-ze-que-nao-tem-terra-para-plantar-as-peras, tradionalistas-saudosistas-de-uma-ordem-que-me-de-respostas-prontas-ensine-a-malta-o-seu-lugar-e-me-faca-crer-que-estou-ligada-a-uma-elite-baseada-em-principios-transcendentais, isto para nao falar das nihilistas-nada-tem-sentido-nada-existe-vamos-todos-nos-atirar-ao-rio-ou-nos-refugiar-no-mosteiro-mais-proximo".

Logo, não deve ter tempo que lhe sobre para ler coisas ... de jeito como o poema que aqui deixou.

Mas... como a Ana diz lá, de onde cito eu isto, também "acho que é tudo uma grande perca de tempo."

Quem perde por gosto, não ... ganha ... nem perde.
Fica na mesma.

(Appearently, that's the big problem!)