sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
"Há um destino, mas nenhum caminho; aquilo a que chamamos caminho é a hesitação"
- Franz Kafka, Aforismos, edição, apresentação e tradução de Álvaro Gonçalves, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, p.50.
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9 comentários:
Isto lembra-me o My Own Private Idaho. A estrada é o único caminho aparentemente linear que não o é.
Por isso mesmo não lhe chamaria hesitação, mas aprendizagem. O tempo não existe, mas nenhum destino se cumpre sem ele. Porque será?
Eu diria, Paulo, que nem destino nem caminho o há. E se o houver é num lugar sempre insituado que não pode exitar fora do caminho, do destino e do caminhar, mas não é nenhum deles. Será um exultar?
Curioso assinalar, Paulo, a analogia que entre Kafka e Pascoaes aqui me ocorre, a propósito de "hesitação", palavra utilizada por ambos.
Cito de Teixeira de Pascoaes:
"A incerteza, a hesitação, o querer e não querer, o partir e ficar, 'o vaivém da sorte', como diz o poeta, é a própria actividade universal cindida em duas forças contrárias que se neutralizam mutuamente e se condensam, originando um ponto definido na imensidade indefinida, uma luz acesa nas trevas, um grito no silêncio - a Criação!" (("O Pobre Tolo", Bertrand, Amadora, 1973, pág. 17).
E, pouco mais à frente:
"Tudo é lembrança e esperança; duas forças contraditórias e hesitantes no seu ímpeto criador. Hesitam, equilibram-se, casam-se e originam o Existente - uma auto-escultura da Saudade.
A hesitação, que é uma acção indefinida, torna o espaço indefinido e inesgotável - o espaço e o tempo." (idem, pág. 19)
"Uma auto-escultura da Saudade" - fantástica expressão que sempre me impressiona e comove!
Obrigado, Paulo, pelo Kafka que me valeu este Pascoaes.
Pois é, no filme eles dizem que não interessa saber o tempo, porque somos intemporais.
Nenhum destino se cumpre sem o tempo porque o tempo é apenas a nossa condição formal para projectar seja o que for que façamos.
Lapdrey, o que mais me impressiona na "hesitação" pascoalina é o seu sentido ontológico: tudo hesita entre ser e não-ser, o que o leva a formular a noção de "quase-ser". As coisas não são nem não são, quase são. Por isso, "o mundo é mundo por um triz", como escreve n'"O Homem Universal". Está por pensar o sentido profundo deste "triz".
Quanto ao resto, tudo depende da perspectiva em que nos situamos e, mais radicalmente, de haver perspectiva. Não a havendo, como prefiro, nada há a dizer sobre o quer que seja.
"Bem-aventurado o silêncio das palavras e das coisas" - Nagarjuna.
Agora, havendo perspectiva, e algo a dizer, melhor ver tudo a cada instante cumprido, sem fim nem princípio, sem tempo, processo ou caminho. É aliás isto que acelera o "caminho", enquanto o concebemos por nos concebermos.
É da hesitação que damos o primeiro passo início de todo nosso caminhar.
Cadinho RoCo
Caro Paulo,
Vou "atrás" desse "por um triz" na trilha pascoalina!
Entre káiros e táxis...
(Sounds familiar to me! Somehow!)
Será isto arte de ser português, em inglês?
Ou apenas uma pitada de "Presque-rien" e de "Je-ne-sais-quoi" de Jankélévitch, na "engrenagem"?)
q giro :-)
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