O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 17 de janeiro de 2009

A cintura é a parte mais importante

photography by Edward Weston, American, (1886-1958)


a cintura é a parte mais importante

do corpo de uma mulher,

o pequeno arco em que gira

todo o seu movimento.


para baixo e para cima fica a desordem

que as rotações imprimem:

imagens fugitivas, desfocadas,

de costelas, seios,

braços, ombros e cabelos;

ou virilhas, nádegas,

pernas múltiplas, como

na dança, sob a retina fotográfica.


formam-se assim linhas circulares,

pura luz,

mas com uma trajectória, que cria

o espaço e o tempo.


quem quisesse porém encontrar

um eixo vertical imóvel, ou seja,

possuir ilusoriamente a mulher,

teria de a pontuar no olhar, no meio

dos lábios, no umbigo,

no ponto mais sensível do clítoris,

na junção dos pés.



esta é a ciência antiga do tacto

- o que fixa o fluido,

e crucifica a carne

à eternidade do conceito.


Vítor Oliveira Jorge
“Pequeno Livro de Aforismos
Seguido de Algumas Alumiações”
Porto, 2005




5 comentários:

Anónimo disse...

Essa fotografia e esse poema...pura glória.

Anónimo disse...

Extasiado, completamente! Ui, que me perdia já nesta cinturinha... oh, curvas e mais curvas. Oh, mulheres belas e benditas.

guvidu disse...

é um poema q nos transporta, com sensualidade, a uma viagem pelo corpo da mulher.

tb acho relevante a questão da cintura e o facto de ela se "perder", aquando a maternidade - aí, o corpo ganha uma beleza "acintura" (ehehe) ao ser veículo do milagre da vida, transportando magia!

é bom irmos lendo poesia diversificada.

obrg bj

Anónimo disse...

O tacto a fixar a carne à "eternidade do conceito"!? Isso é que não! Este final desfigura o poema.

Laura disse...

Belíssimo, este poema, pleno de sensualidade. Gostei muito.