O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Cáusticos - Os Santos

"Se velam e oram é para obter de Deus por manha o segredo do seu poder. Pérfidas súplicas as destes revoltados em torno dos quais o demónio se apraz de rondar. Hábeis, dele colhem também por manha o seu segredo, forçando-o a trabalhar para eles. Sabem tirar proveito do princípio maligno que os habita para se elevarem. Aqueles que se desmoronam fazem-no com alguma complacência: tombam não como vítimas, mas como associados do Diabo. Salvos ou perdidos, todos trazem uma marca de não-humanidade, todos se repugnam a conferir um limite aos seus empreendimentos. Renunciam? A sua renúncia é total. Porém, em vez de isso os diminuir e enfraquecer, por ela se encontram mais poderosos que nós, que conservamos os bens por eles abandonados. Aterrorizam-nos, estes gigantes de alma e corpo fulminados. Contemplando-os, temos vergonha de ser homens sem mais. E se, por sua vez, eles nos olham, deciframos as palavras que a nossa mediocridade inspira à sua misericórdia: "Pobres criaturas que não tendes a coragem de vos tornar únicas, de vos tornar monstros". Decididamente, o Diabo trabalha para eles e não é estranho à sua auréola. Que humilhação a nossa por havermos pactuado com ele em pura perda!"

- E. M. Cioran, "La Tentation d'Exister", in Oeuvres, Paris, Gallimard, 1995, p.921.

Sem comentários: