O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 26 de dezembro de 2009

"Da Saudade como Via de Libertação"

Na saudade e pela saudade, se parte e se atinge duma e uma natureza transmutada, como surnatureza. Mas usando e passando através da natureza: do mundo e do homem. A ambas unindo-as. Por isso Teixeira de Pascoaes diz que a saudade é espírito e matéria.

É nessa surnatureza e com ela que o homem saudoso vive e conhece. Com ela, ele penetra nesse seio gerador e secreto da natureza, como Natura Naturans, o incriado e incondicionado. Por isso ele aí também tem acesso à sua própria imortalidade. Vê e goza a existência e o mundo para lá dos limites do efémero, do ir e vir irreversível no devir; vendo e vivendo tudo na eternidade.

Porque a eternidade é o gérmen do tempo. O tempo na sua realidade imaculada, primeira, forte, pura, de potência, guardada e guardando-se no seio da divindade, como Todo e Nada. O ponto de concentração, fortíssimo, energia ainda não gasta, aberta, espalhadamente na criação, como tempo. O tempo será a eternidade maculada, já depois de ter sofrido a Queda.

E a saudade será sempre a força de regresso ao paraíso, como o refazer inverso da Queda, levando o homem e a natureza, nas suas condições de criados, no tempo e no espaço, ou na sua dualidade, à sua vera realidade, ou estado primeiro, como antes da Queda - na sua unidade. Como subida na corrente do devir à sua fonte primeira, a eternidade.

Dalila L. Pereira da Costa, Saudade Unidade Perdida Unidade Reencontrada, in Dalila L. Pereira da Costa e Pinharanda Gomes, Introdução à Saudade, Porto, Lello e Irmão, 1976, pp.126-127

2 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Se pela saudade se atinge a libertação (de quê?), caso é para se dizer que não há português que não se sinta livre, mesmo que não saiba... de quê. JCN

João de Castro Nunes disse...

Mais um... que quer ser dono da saudade! JCN