O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Alguma coisa que nos devore

Que procuramos nós nas paisagens?
Alguma coisa que nos devore

- Pascal Quignard, Vie secrète, Paris, Gallimard, 1998, p.254.

13 comentários:

Anónimo disse...

Terá isso a ver com a saudade que sentimos diante de certas paisagens, diante das vastidões do mar, do deserto ou da montanha?

Anónimo disse...

" Essas madrugadas deixaram em mim, para sempre, não sei que fria sensação do mistério e do silêncio e o terror sagrado das paisagens."

Teixeira de Pascoais

Paulo Borges disse...

Creio que a saudade que sentimos diante da paisagem é a saudade de havermos sido devorados, de a paisagem estar dentro de nós, nós dentro dela ou de nós e ela estarmos dentro de algo sem dentro nem fora.

Talvez seja isso que se sente como mistério e silêncio em terror sagrado.

Anónimo disse...

Para mim, adentrar-me na floresta, olhar, tocar nas árvores,nas pedras, no chão, lembra-me e faz-me sentir a minha finitude: tudo aquilo que é tão velho me sobreviverá.
Também por isso, o campo inspira-me ficar, recolher,pura deter. O mar impele à partida, a desvairadas intentonas.Ambos pincéis na minha pintura/paisagem individual.

Anónimo disse...

O mundo também tem fome
também nos deseja e possui

O combate inútil e vão da história e da civilização para lhe fugir

quanto mais julgamos dominar a natureza mais estamos já a ser devorados por ela

devorados, digeridos e evacuados em nada

Luiz Pires dos Reys disse...

Paisagem é, creio, qualquer âmbito sensorial (ainda que onírico) de sentido, carregado de fala silenciosa.

Há paisagens que devoramos com os sentidos, e outras que nos devoram o sentido, ou de sentido.

As primeiras, no devorarmo-las, mais nos devoram, de tão ávidos estarmos delas.
As segundas, apossando-se de nós, mais largueza íntima nos permitem, posta a vastidão e o excesso de "empaísamento" que nos apossa.

Isto constitui, ao que se me afigura, a paisagem enquanto tal: o ver de alguma parte do mundo, "enquadrado" num âmbito com-plexo (ainda que possa ser simples) de "detalhes" que como tal interagem connosco, a que o sentir confere um nexo e carrega de significado.

Não há paisagem independente do ver: é o ver, sentindo (com todos os sentidos), que a faz.

No limite, a natureza é, na verdade, antropófaga.

Anónimo disse...

Comer não é ter fome de ser comido?

Luiz Pires dos Reys disse...

A uma certa fome, que a si mesmo se devora em processo uroboros, porventura inútil:

Falar é não ter medo de ser calado?

Anónimo disse...

Pois que pensas e dizes senão Uroboros? Não é esse o símbolo-rosto que escolheste?

Luiz Pires dos Reys disse...

Escrever/inscrever é coisa diversa de auto-morder-se!

Tem, precisamente, a parede sem porta que vai do ex-crever, pelo des-crever, ao ins-crever, triádica triunívia!

Ademais, o bisturi que escreve/inscreve fá-lo mutuamente no pulso: ali, onde se irmana o sangue e se cumpre os pactos da liberdade...

... sobremaneira aqueles, da mais iludente roda urobórica, que se rompe ...

(grato pela observação...)

Anónimo disse...

Tudo é voragem que se auto-devora e, simultaneamente, jejum infinito.

Luiz Pires dos Reys disse...

Assim, continuaremos ad aeternum passeando estultamente sobre o fio da lâmina, "decepados" pelo todo, em duas metades que são o todo de partes outras...

Mais vale a holónica de Koestler...
É bem mais libertadora e "comprehensive"...

Marta Rema disse...

PASCAL QUIGNARD!