O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Quem não age vive morrendo

Quem não age vive morrendo
Perde tudo e até a sua memória
E quem assim vive não vivendo
Será atropelado pela História.

11 comentários:

Luiz Pires dos Reys disse...

Devorar-nos-á o tempo se dele nos não nutrirmos para em tudo nos consumarmos.
Devorar-nos-á o tempo se dele nos não nutrirmos para tudo nos consumar.
Devorar-nos-á o tempo se dele nos não nutrirmos para tudo consumarmos.

Perder tempo é morrer de véspera ao fim de cada dia.
Perder o tempo é desaparecer antes mesmo de ter aparecido.
Perder-se no tempo é resignar-se a ser labirinto de si às avessas.
Perder-se o tempo é recusar a hora sem tempo, na irremediável desora de nos não cumprirmos.

Quem corre contra o tempo é sempre por ele o vencido.
Quem é percorrido pelo tempo é por este o desprezado.
Quem se percorre no tempo é de si o senhor e do tempo o irmão.
Quem no tempo percorre o tempo que nele decorre há-de nisso encontrar disso o fio, fiel de tal balança:
Balanço entre todo o desequilíbrio companheiro, no almejar do vórtice extático do repouso que se move por um espaço sem distância.

A História, a de todos, é, entre beleza e terror, o mútuo atropelo de todo o anterior dito.

A história, a de cada um, é o íntimo arrepio do tempo na mesma casa de que ele é o saudoso menos ausente.


(Muito obrigado, JSL! Abraço!)

Anónimo disse...

Como ser atropelado pelo atropelo?

Luiz Pires dos Reys disse...

É tentar, caro Interrogativo...
Quer tentar?

Anónimo disse...

"...acção, essa incontinência de paranóicos" - "Ver"

Anónimo disse...

Caro Lapdrey, adorei (rimei!)

Devorar-nos-ão as palavras enquanto o silêncio nos não desperte.

Estou num destes dias de descobrir um dicionário das palavras novas totais do silêncio.

A amiga anónima.

Luiz Pires dos Reys disse...

Maria da Aurora,
Subscrevo o que diz quanto ao silêncio e às palavras.
O que sempre, creio, nos cabe fazer em nós (em cada um) é interpermutarmos todos os contrários que em nós estejam e que nos coloquem na perplexidade constante dum mundo que nos querem em tudo impingir como tendo um rosto maniqueu.
Se o silêncio for o mar profundo de que as palavras estão embebidas, se um certo escutar nos permitir ter ouvidos para o que nos sussurra ao ouvido interior, no meio do silêncio - acredito que poderemos estar no meio da mais estridente algazarra e, todavia, ela nos não perturbar: o nosso sentir e sentido estarão ancorados no silêncio, e dele brotará o que nos fala em palavras indizíveis que e dá sentido a tudo quanto nos perpasse.

Luiz Pires dos Reys disse...

Caro Almada,
Folgo em vê-lo ainda e sempre no seu "Recomeçar".
Dourado no número, sempre, bem vejo. É mesmo coisa sua!
Não o sabia, porém, leitor da "Ver": fico a saber.
Quanto à acção, deixe-me citar-lhe a Bhagavad Gita:

"Não é abstendo-se das obras que o homem alcançará o não-agir, nem através da simples renúncia que ele chegará à perfeição" (III,4)

E, já agora, para reforçar isto bem, deixo-lhe também citação de um texto seu, meu caro Negreiros e bom Almada.
Chama-se ele "Civilização e cultura" e está a págs 37 do vol V "Ensaios I", da edição das suas Obras Completas, Editorial Estampa, Lisboa, 1971.
Vou citá-lo na íntegra por dois motivos:
1. por valer demais a pena fazê-lo, não apenas pelo que vem aqui e agora ao caso, mas pelo que vem ao caso agora e sempre.
2. porque me apetece. Posso?

Aqui vai disto, então:

"Uma mesa cheia de feijões.
O gesto de os juntar num montão único. E o gesto de os separar, um por um do dito montão.
O primeiro gesto é bem mais simples e pede menos tempo do que o segundo.
Se em vez da mesa fosse um território, em lugar de feijões estariam pessoas. Juntar todas as pessoas num montão único é trabalho menos complicado do que o de personalizar cada uma delas.
O primeiro gesto, o de reunir, aunar, tornar uno, todas as pessoas de um mesmo território, é o processo da CIVILIZAÇÃO.
O do segundo gesto, o de personalizar cada ser que pertence a uma civilização é o processo da CULTURA.
É mais difícil a passagem de civilização para cultura do que a formação da civilização.
A civilização é um fenómeno "colectivo"(em itálico, no texto original).
A cultura é um fenómeno "individual"(em itálico, no texto original).
Não há cultura sem civilização, nem civilização que perdure sem cultura.

(Aqui há uma ilustração, cujo desenho representa uma balança, perfeitamente equilibrada com a civilização num dos pratos e a cultura no outro.)

FIM

Justaposição disto mesmo a Portugal: uma civilização sem cultura.
As excepções, inclusive as geniais, não fazem senão confirmá-lo.

...

Pronto, meu caro "Almada Negreiros"!
Quer-me cá parecer que gesto, ainda que seja de juntar ou reunir feijões ou pessoas, é sempre acção. Ou não será?
Bolas, meu caro Almada! Estou assim a modos que perplexo: como vou mover o raio dos feijões sem acção...
Deve ser "paranóia" minha, com
certeza!
Ando cá com uma "incontinência"...
(desculpe-me o desabafo...)
Abraço!

platero disse...

quem age tem igual sorte
com mais zelo ou menos zelo
mesmo fugindo da morte
ninguem escapa ao atropelo

não sei se sou demasiado pessimista. Derrotista?
O seu lindo poema poema não merecia
isto.

Anónimo disse...

Sim.
Cetas palavras são como o mar. Apelo de infinito.

Grata

Anónimo disse...

Obrigado, Lapdrey, por mostrar que erudição se concilia com ignorância: "Ver" é o título de minha obra maior e póstuma... Quanto ao resto, penso que sim, que neste caso a sua "acção" foi uma incontinência de paranóico... Pelo que aliás vejo, o meu amigo escreve e exibe-se muito e pondera pouco. Coisas...

Marta Rema disse...

mt bom. obrigada.