O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 30 de novembro de 2009

reclamo (anúncio de mim mesmo)

Amanhã nada disto existirá

A bailar no veio translúcido do instante

A insuportável exsurgência da manhã

A distante evanescência das quimeras

De ter sido na imponderabilidade do vento

Nada disto consiste em querer ou ter ou poder

Uma fome alada que resiste

Na planície úbere do não ser

E viro a página

Estar vivo é só a possibilidade de perdição

E em ondas de luz que de cima me revelam

Só o que ficou o resto da alba que não houve

Tudo se precipita em abismos de lume

Na alvorada nova do esquecimento

O cheiro a creolina no charco de ter nascido

O aqui envolto em turvação

Ganha pé o mais ambárico dos vinhos

Não são de fiar as coisas demasiado perfeitas

Tudo vem de fábrica plastificado

E esterilizado

Já nada se gasta só por ser usado

A não ser a habituação a nós

Torna-se espessa e ganha um corpo subtil

De cave fechada repleta de inutilidade

Em fundo uma música quase ignorada

Dos codeine velvet club torna desculpável a decisão

De desfazer os baús na feira da ladra

Da escrita

4 comentários:

platero disse...

regresso à boa forma

abraço por isso

João de Castro Nunes disse...

Que belo mostruário de caixeiro-viajante de metáforas! JCN

Paulo Feitais disse...

antes caixeiro-viajante que ouriço-caixeiro!
Abraço, caro Platero,

quanto ao caro JCN,
um cumprimento de longe...

os picos...

João de Castro Nunes disse...

Caro Poeta Paulo Feitais: mesmo assumidamente ouriço-caixeiro... longe de mim pretender picá-lo! Por quanto me vende ou cede uma ou duas das suas brilhantes e "reclamadas" ou "anunciadas" metáforas ?!... A boa mercadoria... paga-se bem! JCN