O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 24 de novembro de 2009

VI

Palmeiras!
e contra a crepitante casa tantas lanças de chama!

...As vozes eram um ruído luminoso e sotavento...O barco
de meu pai, diligente, conduzia grandes figuras brancas: talvez,
em suma, Anjos despenteados; ou talvez homens sadios, vestidos
de belo pano, capacetes de sabugueiro ( e assim meu pai, que foi
nobre e decente).

...Pois de manhã, pelos campos pálidos da Água nua, ao
longo do Oeste,vi andarem Príncipes e seus Genros, homens de
alta estirpe, bem vestidos e calados, que o mar antes do meio-dia é
um Domingo em que o sono tomou o corpo de um Deus,
dobrando as pernas.

E tochas ao meio-dia, se ergueram para minhas fugas,
E creio que Arcos, Salas de ébano e zinco iluminaram-se
todas as noites ao sonho dos vulcões,
na hora em que juntavam nossas mãos diante o ídolo em
traje de gala.
Palmeiras! e a doçura
de velhice nas raízes...! Os ventos alísios, os pombos trocazes
e a gata parda
esburacavam a amarga folhagem verde onde, na crueza de uma
noite com perfume de Dilúvio
as luas rosas e verdes inclinavam-se qual mangas.

...Já os tios falavam baixo a minha mãe. Haviam amarrado
seu cavalo à porta. E a casa durava, sob as árvores de plumas.

Saint-John Perse
in Obra Poética
Editora Opera Mundi, Rio de Janeiro, 1973
Trad. Darcy Damasceno

6 comentários:

João de Castro Nunes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João de Castro Nunes disse...

Capacetes de sabugueiro... só de polícia ou bombeiro. JCN

Anónimo disse...

Desculpe, Lee, brincar aqui com JCN:

DISPARATES... RIMADOS, JCN?

"Dis-paratados...rima-Tes, JCN!

Então os capacetes com plumas ou de sabugueiro?... não lhe agradam?

CHAMÒPOLÌCIA! JCN!

E quanto às palmeiras? Que opinas tù? JCN! (risos e piscar de olho!)

Lee,

A imagem que nos traz, a do vulto, é muito sugestiva. É aquela hora em que sonhamos a lembrar com esses "heróis" verdadeiros. Insito, com sua licença, (não como os do século XXI, "heróis de Góis"!) Insisto na envolvência do texto e do diálogo com a imagem.

"Traje de gala", como só em França, se ousam...

E depois como não degustar com prazer pedaços de texto:
"...esburacavam a amarga folhagem verde onde, na crueza de uma
noite com perfume de Dilúvio
as luas rosas e verdes inclinavam-se qual mangas."
"Sob árvores de plumas".

Um abraço aos dois.

Anónimo disse...

Ah! Esqueci-me de dizer: Um abraço emplumado, serpentinamente, ou "serpentimanente"? (Um outro sinal e sorriso a - desta vez maiusculado, não sei se musculado, mas, quem se apronta para a luta... revolucionária... Baal.

Vossa, Saudades.

João de Castro Nunes disse...

Gracejo à parte, quem não se rende à magia dos poemas de Saint-John Perse, meio crioulos meio parisinos, entre calorosos e refinados, à francesa (que saudades de Paris!), Legião de Honra ao peito e tricórnio de diplomata sobraçado! Gente fina... é outra coisa! Em paridade... só "saudadesdofuturo". JCN

Paulo Borges disse...

Belo poema, pulsante da magia dom mundo.