O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Poema do Dolce Stil Novo

Biltà di donna e di saccente core

e cavaliere armati che sien genti;

cantar d’augelli e ragionar d’amore;

adorni legni’n mar forte correnti;


aria serena quand’apar l’albore

e bianca neve scender senza venti;

rivera d’acqua e prato d’ogni fiore;

oro, argento, azzuro n’ornamenti:


ciò passa la beltate e la valenza

de la mia donna e’l su’gentil coraggio,

sì che rasembra vile a chi ciò guarda;


e tanto più d’ogn’altr’há canoscenza,

quanto lo ciel de la terra è maggio.

A simil di natura ben non tarda.


Postei aqui o original, porque é necessário lê-lo em voz alta.

Agora, uma tradução literal:


Beleza de dama e de coração sábio

e cavaleiros armados que sejam gente;

cantar de pássaros e razoar d’amor;

armar barcas no forte mar corrente;


brisa serena ao primeiro alvor

e branca neve descendo sem vento;

ribeiro d’água e prado de toda a flor;

ouro, prata, lápis-lazúli em ornamento:


tudo isto vence a beleza e o valor

da minha senhora e o seu gentil coração,

parecendo vil a quem o observa;


e de tudo o mais tem ela tanto entendimento,

quanto o céu sobre a terra se eleva.

O bem não adia a sua imagem na natureza.



Guido Cavalcanti (1259?-1300?)

1 comentário:

Anónimo disse...

Um colírio para a alma, poesia desta, depois da anterior enxurrada de obscenidades !...