terça-feira, 22 de janeiro de 2008
Carta de amor a um Orientador Abandonado
Errata
Onde se lê orientador deve ler-se Oriente sem dor
Quando se sente o abandono deve escrever-se amor
Auctoritas
“Diga-me alguma notícia sua quando eu o merecer” Professor Doutor Paulo Borges
Querido Orientador
posso tratar-te por tu, tu já que és tão mal tratado por mim, só hoje, só na escrita, privada e íntima que mais ninguém conseguirá ler, só neste papel eléctrico que sobrevive à custa do aniquilamento de todos os protões.
Escrevo-te
não te falo porque
primo
fujo de ti como das serpentes emplumadas. Tenho medo das serpentes
secundo
não tenho nada para te entregar. Não trabalho, não sei o que é trabalhar. Só conheço o prazer, o ócio,ainda por cima o ócio da tristeza, o ócio da solidão solitária. Nunca conseguirei fazer nada.
tertio
tenho um livro para te entregar há mais de um ano. Um livro que me pediste, que eu te comprei e que jaz na minha estante. Sim, as Obras Completas do Querubim.
quarto
e já que estamos na intimidade epitalâmica, digo-te: Não me mereces.
Sim, não mereces este “me”, este mé-mé que não pára de bulir (terão as ovelhas linguas em fogo? Pelo menso esta arde tanto que me apetece calar, calar, calar. Se pudesse escolher - bastava-me uma - deficiência escolheria com certeza a mudez). Estou farta de mim, para que é que hei-de importunar os outros, especialmente os outros que gosto, com alguém como eu? Seria desonesto.
quinto
gostava de te dizer coisas belas. Só coisas belas. Que os nossos encontros fossem todos do domínio do sublime. Foi sublime quando eu te falei do meu horror à escrita creativa , e tu, brindando a truta com vista sobre o viaduto da Católica, me confessarias ser professor de escrita creativa. E depois eu vinguei-me, falei-te do MacGinn, e tu disseste que histórias do misticismo há muitas.
sex-to
porque quando penso em ti penso também nos caracóis do Rui Lopo. Será que ele ainda tem caracóis? E quem é que tinha barba, era o o Ricardo ou o Rui? Ou o Renato? Ou um R, simplesmente? Os Rs são dificeis de pronunciar. Também tenho medo dos caracóis, como das serpentes emplumadas. (E o meu neo-realista é ciumento!)
septimo
porque ganhei dinheiro para fazer um poema. O que é terrivel. Não, não irei fazer um poema para dinheiro, mas deram-me dinheiro para mostrar o meu dinheiro. Aqui paga-se antes de mostrar.
octavo
porque o meu poema fala de coisas horriveis, como da destruição da pátria e da destruição da lingua. Estou a fazer uma epopeia terrível. Jamais me perdoarás. Gritar-me-ás e eu apenas, somente, urinarei, tal cachorro no tapete da tua descendência.
nono
porque as saudades são tantas que não têm palavras. Gostava de estar contigo, de ser a única, e tu tens tantos, tantas, que assim, se eu estiver longe, posso te tocar, trespassar mais facilmente através da minha ausência, do meu abandono, do meu desmerecimento.
Conclusio
E como poderei eu tocar no Oriente, sem dor?
Onde se lê orientador deve ler-se Oriente sem dor
Quando se sente o abandono deve escrever-se amor
Auctoritas
“Diga-me alguma notícia sua quando eu o merecer” Professor Doutor Paulo Borges
Querido Orientador
posso tratar-te por tu, tu já que és tão mal tratado por mim, só hoje, só na escrita, privada e íntima que mais ninguém conseguirá ler, só neste papel eléctrico que sobrevive à custa do aniquilamento de todos os protões.
Escrevo-te
não te falo porque
primo
fujo de ti como das serpentes emplumadas. Tenho medo das serpentes
secundo
não tenho nada para te entregar. Não trabalho, não sei o que é trabalhar. Só conheço o prazer, o ócio,ainda por cima o ócio da tristeza, o ócio da solidão solitária. Nunca conseguirei fazer nada.
tertio
tenho um livro para te entregar há mais de um ano. Um livro que me pediste, que eu te comprei e que jaz na minha estante. Sim, as Obras Completas do Querubim.
quarto
e já que estamos na intimidade epitalâmica, digo-te: Não me mereces.
Sim, não mereces este “me”, este mé-mé que não pára de bulir (terão as ovelhas linguas em fogo? Pelo menso esta arde tanto que me apetece calar, calar, calar. Se pudesse escolher - bastava-me uma - deficiência escolheria com certeza a mudez). Estou farta de mim, para que é que hei-de importunar os outros, especialmente os outros que gosto, com alguém como eu? Seria desonesto.
quinto
gostava de te dizer coisas belas. Só coisas belas. Que os nossos encontros fossem todos do domínio do sublime. Foi sublime quando eu te falei do meu horror à escrita creativa , e tu, brindando a truta com vista sobre o viaduto da Católica, me confessarias ser professor de escrita creativa. E depois eu vinguei-me, falei-te do MacGinn, e tu disseste que histórias do misticismo há muitas.
sex-to
porque quando penso em ti penso também nos caracóis do Rui Lopo. Será que ele ainda tem caracóis? E quem é que tinha barba, era o o Ricardo ou o Rui? Ou o Renato? Ou um R, simplesmente? Os Rs são dificeis de pronunciar. Também tenho medo dos caracóis, como das serpentes emplumadas. (E o meu neo-realista é ciumento!)
septimo
porque ganhei dinheiro para fazer um poema. O que é terrivel. Não, não irei fazer um poema para dinheiro, mas deram-me dinheiro para mostrar o meu dinheiro. Aqui paga-se antes de mostrar.
octavo
porque o meu poema fala de coisas horriveis, como da destruição da pátria e da destruição da lingua. Estou a fazer uma epopeia terrível. Jamais me perdoarás. Gritar-me-ás e eu apenas, somente, urinarei, tal cachorro no tapete da tua descendência.
nono
porque as saudades são tantas que não têm palavras. Gostava de estar contigo, de ser a única, e tu tens tantos, tantas, que assim, se eu estiver longe, posso te tocar, trespassar mais facilmente através da minha ausência, do meu abandono, do meu desmerecimento.
Conclusio
E como poderei eu tocar no Oriente, sem dor?
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7 comentários:
Tanto tempo sem notícias e agora escreve-me cartas públicas... e impúdicas !... Que não trabalha, que só goza, escreve poesia e recebe para isso sei eu... Tenho os meus informadores e parte da sua vida já é do domínio público, pois os prémios literários não perdoam... Espero que lhes resista... Ao menos mande-me o Querubim, que muita falta me faz... Um beijo, apesar de tudo...
entao se parte da minha vida (e pernas) ja sao do dominio publico, so faltava mesmo a alma e o Paulo!
Ee com ospremios, ando a perder a vergonha toda, estou a ficar uma desenvergonhada. E e melhor mandar-lhe mesmo o Querubim, que figuras tao angelicais la em casa so podem fazer mal!
E ainda por cima, quando diz que tenho "tantos, tantas", leva a pensar que a minha vida é uma orgia promíscua e contínua... quando sabe que só tenho um amor: a vacuidade e o universo, que são o mesmo !
eu estava a falar da multiplicidade de entes, luas, amigos à sua volta. Que os ama a todos, unicamente, isso é claro e indistinto. Agora eu sou uma estrela cadente, que passo de vez em quando no seu universo apenas para o lembrar da pequenez dos que só caem e não sabem voar.
Perdoem-me meter o bedelho, mas este texto é tão Liiiiiindo que até dói...
Do resto que falas não sei, mas compreendo este horror: "ganhei dinheiro para fazer um poema. O que é terrivel."
Eu sei que é terrível, não tanto porque já me tenham pago pelo que escrevo (nunca ninguém se mostrou interessado ^_^) mas porque já me imaginei muitas vezes a vendê-los. Ganhar dinheiro com o prazer!!!
Ai! Que sensação tão alegre e deturpante, como se aquilo que vem em Alegria e Gratuitidade pudesse alguma vez ser pago por algo ou alguém, como se se deixasse ser possuído. Não é coisa, é Vida! Sagrado mais Sagrado não há! Não é instrumento mas motivo de Adoração e em virtude do qual tudo se deve ajoelhar... Não foi feito para servir mas para dar sentido a tudo o que serve...
Apetece gritar e dizer: vão todos para o ******* que vos criou! A mim ninguém me tira o leito primordial de onde surgi...
E no entanto, ninguém me pagou! Eu vendi-me a mim mesmo, antes mesmo que alguém se tivesse mostrado interessado. Em espírito imaginei-me célebre, a dar entrevistas na tv, reconhecido na rua como "o sábio".
Vendi-me, pior que prostituta, pois essas ao menos vendem o corpo por algo e eu vendi a alma por nada...
ai ai !!!
^_^
Ai,ai Luar!!!
mas que carta mais bonita!
não conheço a história desta "casa", nem quero conhecer, mas uma carta ao professor é sempre o prenúncio de um neo neo neo romantismo.
giríssimo
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