O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 27 de janeiro de 2008

Espírito Santo em estado puro

«Segundo a cosmologia hindu o universo não tem substância. A matéria, a vida, o pensamento não são mais do que relações energéticas, ritmo, movimento e atracção recíproca. O princípio que dá origem aos mundos, às várias formas do ser, pode portanto ser concebido como um princípio harmónico e rítmico, simbolizado pelo ritmo dos tambores, pelos movimentos da dança. Enquanto princípio criador, Shiva não profere o mundo, dança-o. "Quaisquer que tenham sido as suas origens, a dança de Shiva tornou-se com o tempo a mais clara imagem da actividade de Deus que nenhuma arte ou religião poderá gabar-se de ter inventado"(Ananda Coomaraswami, The Dance of Shiva, p.67).
Diz o escritor grego Luciano (II séc. d.C.): "Parece que a dança teve o seu surgimento no início de todas as coisas e que se manifestou contemporaneamente com o Eros antigo, pois vemos esta primeira dança aparecer claramente no bailado das constelações e nos movimentos enlaçados dos planetas e das estrelas, e nas suas relações [vemos] uma ordenada harmonia".
Shiva, como manifestação da energia rítmica primordial é o 'senhor da dança' (Nataraja). O universo cósmico é o seu teatro. É o bailarino itifálico, princípio de todas as formas de vida. Aquilo que une o Criador ao Criado, o ser divino ao mundo visível, pode ser expresso em termos de ritmo, de movimento, de dança. O Criador dança o mundo e, por analogia, a dança dos homens pode ser considerada um ritual, um meio através do qual nos é possível remontar à origem das coisas, aproximarmo-nos do divino, unirmo-nos a ele. A ebriedade erótica e a dança extática são os meios mais directos para estabelecer o contacto com o sobrenatural».

Alain Daniélou, Shiva e Dioniso, p. 181

4 comentários:

Paulo Borges disse...

É também a diferença entre o mundo aristotélico, composto de substâncias, e o mundo órfico-pitagórico, tecido de ritmos... Vejam-se as magníficas considerações de María Zambrano sobre "A condenação aristotélica dos pitagóricos", em "El Hombre y lo Divino", Madrid, Siruela, 1992, pp.75-117.

João Beato disse...

O substancialismo aristotélico é assim tão nefasto? Agostinho da Silva diz que Platão e Aristóteles se reconciliam no Espírito Santo...

Paulo Borges disse...

Porque no Espírito Santo e em Agostinho tudo se reconcilia, mas em termos teóricos e práticos é bem diferente ver o universo insubstancial e impermanente ou ter dele uma perspectiva essencialista ou substancialista, como em Platão e Aristóteles, a meu ver muito afins, como patronos da civilização e das mentes identitárias que temos e que tanto incomodam porque tanto contradizem a realidade profunda...

Paulo Borges disse...

"Ebriedade erótica" e "dança extática": melhor do que blogues, poesia, arte, religião e filosofia, é vivermos numa grande Festa !