O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Coração súbito

O eu é mera assinatura… Falsificada, como todas as assinaturas.

Se persistires, um dia aplaudem o que primeiro escarneceram e condenaram. E vice-versa. A comédia do mundo…

Coisas lúgubres e tristes. Coisas mortas. Espantos negros, luzes perdidas. Tenebroso filão do oiro do mundo.

Surdo rumor do mundo: marulho do infinito na caverna do coração.

Ó meu Amor de antes de haver tempo, amo-te no esplendor dos nossos filhos: o céu e a terra, todas as coisas !

Desertamos do espanto. Queremos respostas. E por isso inventamos perguntas.

A filosofia nasce do espanto que mata à nascença. Vive, na melhor das hipóteses, da impossível saudade de a ele regressar.

Homens atónitos, estupefactos, seres de espanto e maravilha, são inúteis e improdutivos. Permanecem vivos, à margem da incontinente e acelerada marcha da humanidade para a exaustão, o esmagamento e a sepultura sob a funerária lápide de tantas actividades e realizações materiais e mentais.

Nada vês que te não veja. E nada há que de ver cego não seja.

Seja por ti que a noite brilhe !

Ser pobre é não haver mais que o infinito.

Sossega, meu amor, sossega. Já não há nada. Nem o que une nem o que separa. Já não há nada. És liberdade. Porque te prendes em ser livre ?

Apaga-te. Ilumina-te no esplendor de tudo.

A filosofia do sujeito e do objecto é a da ficção da sujeição e do gozo nisso: "bondage", fantasia sexual. Excitação e ilusão pura.

Ri de tudo, ri de ti, ri do rir. Emudece gárgula de tanto gargalhar !

Canto o fim de mim e do mundo, no coração dos desertos, na beira das falésias, no abismo dos oceanos, no cume das montanhas, na vastidão dos céus, na terrível vertigem da liberdade nua e do amor louco !

1 comentário:

Anónimo disse...

SUBLIME ! "Coração súbito" !
Desfaço-me na mensagem e beleza destas palavras e deixo de existir... obrigada Professor !