sexta-feira, 31 de julho de 2009
Amor tudo cala
Lisboa, Pavilhão Atlântico, 30.09.2009.
(Não consegui postar um video de "Take this Waltz". Haverá uma alma bondosa que o faça?)
Morir al pasado, morir al porvenir, vivir es morir en el arte de ser el instante. Vivir es morir cada segundo para ser el tiempo profundo de la eternidad. Aventura de la paz, morir es renunciar a lo que no se es para ser. Cada renuncia es una muerte que anuncia la vida. Cada muerte es una pausa del no ser en el que habita desnuda la vida.
Jorge Carvajal Posada
quinta-feira, 30 de julho de 2009
X
O movimento espera que um astro se incendeie
em todos os tendões
para que nenhuma palavra seja o frio nexo da loucura
ou o vento soprado como sangue.
Uma pedra sobre a boca pode ser o único sustento
para essa fome.
Mas a mão que escreve avança como faca
arrancando à garganta o seu êxtase carbonizado.
A violência é a religião de Deus.
de O vento soprado como sangue, Cosmorama, 2009.
Eu vos ofereço o meu dia
Para que serve a Lusofonia?
A forma que em mim assume essa questão, na linha de Pascoaes, Pessoa e Agostinho da Silva, é: como colocar a Lusofonia ao serviço de tudo e de todos, como fazer da Lusofonia um contributo para o bem do planeta e dos seus habitantes, humanos e não-humanos? Para essa questão, não vejo, desde o início da vida do MIL, qualquer resposta.
Alguém tem ideias?
negrume azul
lenta agonia
a decomposição dos estados de alma
expostos aos elementos singrantes da eterna alba
que consome por dentro os compostos
magmáticos em estratos sedimentares
feridas do tempo preenchido de desejo e ansiedade
sombra de sombra
o desamparo e as promessas que irrompem
do fundo do esquecimento
o chão que cicatriza a perdição
a película de espuma que nos separa do abismo
e os rugidos do vento
vindo do colapso dos tempos no princípio
a memória espiralada do nada que nos regurgita
a golpes de cítara lava dos começos
o ermo labirinto de treva e fátuas aparições
plenitude naufragada no aqui
máquinas
gilles deleuze, félix guatarri, o anti-édipo, capitalismo e esquizofrenia1
quarta-feira, 29 de julho de 2009
resposta a Rasputine
com filosofias e engodos:
se ninguem tivesse nada
tudo seria de todos
abraço
Espanha: somos cadáveres. Seremos sementes?
[...] o movimento popular espanhol não se dirige contra um capitalismo chegado ao termo do seu desenvolvimento... mas contra a própria existência desse capitalismo em Espanha... A concepção materialista da história, fundada na crença no progresso, jamais encontrou eco junto dele... O que fere a consciência do movimento operário e camponês espanhol não é a ideia de um capitalismo que se perpetuaria indefinidamente, mas a própria aparição desse capitalismo. Tal é para mim a chave da posição privilegiada do anarquismo em Espanha"
Creio que Espanha pode designar aqui Hispânia, Península Ibérica. Assistimos hoje ao enterro das últimas resistências a este processo. Somos esses semi-cadáveres. Serão os mortos sementes?
- F. Borkenau, Spanish Cockpit (1936-1937), Paris, Champ Libre, 1974, pp.28 e 29-30 (Michael Löwy / Robert Sayre, Révolte et mélancolie. Le romantisme à contre-courant de la modernité, Paris, Payot, 2007, p.113).
terça-feira, 28 de julho de 2009
Ética
se decidirmos matá-lo para sobreviver estaremos a cometer algum mal?
imaginemos que não existe mesmo outra hipótese, não há mais qualquer tipo de alimento. quer dizer, sempre podemos comer pedaços de nós, é a única outra hipótese.
digo que talvez cometamos um mal se matarmos o pato ou se comermos pedaços de nós próprios, mas também que o contexto é já mau à partida. se há algo moralmente errado neste caso é o contexto.
de resto podemos imaginar alguém num contexto moralmente mau e que foi lá parar sem as causas disso terem sido morais. por exemplo alguém ir parar ao Afeganistão ou ao Iraque. são contextos moralmente maus porque existe muito sofrimento desnecessário neles, mas certamente haverão lá heróis, como há em todas as guerras e revoluções.
um herói é alguém que não obstante o perigo, enfrenta-o para salvar os outros, por exemplo. um médico voluntário numa perigosa zona de guerra. um bombeiro. talvez existam também heróis intelectuais, pessoas que através das suas mensagens criam bem no mundo.
seríamos heróis se não matássemos o pato. ou podemos dizer que seríamos estúpidos porque morreríamos. mas têm de ter em conta que morreríamos para evitar uma morte. imaginemos isto entre humanos. canibalismo.
é errado comer corpos, humanos ou outros, mesmo que já mortos?
se estivéssemos numa situação em que morríamos se não comêssemos um pedaço de um corpo, e se só pudéssemos escolher entre um corpo de um animal e um corpo de um humano ou morrer, qual seria a opção correcta? a que não implicaria mal algum? penso que todas elas implicam mal. comer corpos é mau, morrer é mau. e se morrer é mau o contexto moral do mundo é mau.
onde há sofrimento há moral.
todas as pessoas sofrem.
há moral em todas as pessoas.
em todas as pessoas e animais.
mas quando não têm culpa do sofrimento, sofrem sem razão. isso é o mau. sofrer sem razão. se se sofre com razão, já não é mau: um exemplo, alguém que fume três maços por dia arrisca-se a ter cancro - o que é que estava à espera? - mas alguém que sempre se portou bem contrai cancro... é mau. e é moralmente mau porque é injusto.
mas nem tudo o que é moralmente bom é justo, embora tudo o que seja justo seja moralmente bom. pode ser moralmente bom porque libertador dar um passeio e não ser justo nem injusto. a moral está para lá da justiça, mas a justiça não está para lá da moral.
ainda assim poderíamos contrapor que se o passeio é libertador é porque o sujeito vem já de uma situação em que houve justiça ou injustiça, ou que se não veio de uma situação do género então o passeio é libertador porque lhe permitirá criar situações de justiça. neste caso diríamos o seguinte: o domínio da moral é o domínio da justiça e o domínio da justiça é o domínio da moral.
para simplificar: o domínio da moral é o domínio do correcto e do incorrecto.
se é correcto é bom e justo, se é incorrecto é mau e injusto.
por exemplo, alguém beber um sumo de laranja natural de manhã pode ser bom, saudável, mas só é justo ou injusto caso a pessoa tenha ou não merecido beber o sumo. assim, tudo é do domínio moral. o domínio moral é o mundo.
mesmo que não existissem seres que sofrem existiria moral? se não existisse consciência, por exemplo. se só existissem pedras, calhaus, existiria moral?
não podemos dizer que não e justificar em que não porque as pedras nada sentem, porque há humanos que podem não sentir em dado momento e é mau fazer-lhes mal, por exemplo feri-los com uma faca mesmo que não sintam nada. mas neste caso trata-se de vida.
tal como existe uma química inorgânica, poderá existir uma ética inorgânica?
o que é inorgânico poderá ser bom ou mau em si, e sofrer bem ou mal? creio que não. que é moral apenas em função da vida. mas uma coisa: se a vida é boa por si, e se o inorgânico é a base da vida, então o inorgânico é bom por si.
o carbono origina-se do inorgânico, e considera-se que toda a vida tem adn, mas será que aquilo que forma o carbono, os átomos mais fracos, os protões, os neutrões, os electrões, não estão já vivos? ou a vida começa na célula?
onde começa e acaba a ética?
"A prática do Budismo não implica que a pessoa abdique da sua cultura"
Segundo Paulo Borges, presidente da União Budista Portuguesa, a aproximação dos portugueses ao Budismo pode assumir muitas formas. Alguns interessam-se por aspectos específicos como a meditação, outros aprofundam os seus conhecimentos e tornam-se budistas praticantes.
Desde quando existem budistas em Portugal?
As primeiras actividades organizadas surgem nos anos 70, mas antes disso houve certamente quem se considerasse budista. Registe-se que desde a Idade Média conhecemos uma vida cristianizada do Buda – a lenda dos santos Barlaão e Josaphat (de Bodhisattva) – e tivemos contactos pioneiros com as culturas budistas, a começar pelos missionários, que mantiveram diálogos teológico-filosóficos muito interessantes com os budistas, ainda hoje esquecidos em manuscritos inéditos. Antero de Quental aprendeu sânscrito para ler textos budistas e o Budismo interessou e marcou Wenceslau de Moraes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, entre muitos outros. Assim o mostra o livro que organizei, com Duarte Braga, intitulado O Buda e o Budismo no Ocidente e na Cultura Portuguesa.
Quem são os budistas portugueses? É possível caracterizá-los?
Somos uma comunidade constituída sobretudo por nacionais, embora exista um número importante de chineses. Não é fácil caracterizar os budistas portugueses. É uma comunidade que abrange várias faixas etárias e pessoas com diferentes actividades e estatutos sociais. Maioritariamente, a comunidade budista está entre os 18 e os 50 anos. Há bastantes pessoas com formação académica, alguns ligados ao meio universitário, mas também muitos com outro tipo de actividades e formações.
Calculamos que possam existir cerca de quinze mil budistas em Portugal. O que é evidente é que o número de adesões aumenta, acompanhando o grande crescimento do Budismo no Ocidente. Temos também a noção de existirem muitas mais pessoas interessadas no Budismo. Temos testemunhos de pessoas que pertencem a uma religião, nomeadamente a Católica, mas se revêem no Budismo em certos aspectos da sua visão do mundo, como por exemplo numa ética não limitada ao homem, respeitadora de todas as formas de vida, e numa maior importância dada à experiência pessoal, em detrimento do dogma. Existe algo de singular que é o Budismo ser quase que uma segunda religião para muitas pessoas, que se reconhecem na atitude e na abertura budista, embora não adiram propriamente a todos os pontos da sua filosofia.
Temos uma difusão nacional, mas a maioria dos budistas praticantes localizam-se no Porto, em Lisboa e arredores e também no Algarve.
Que tipo de percurso têm as pessoas que aderem ao Budismo?
Há muitos percursos diversos, mas em geral as pessoas começam a interessar-se pela meditação, não por desejarem ser budistas, mas por lhes trazer a paz e serenidade que procuram. A partir daí, começam a interessar-se pelos seus fundamentos filosóficos. No decurso desse processo, encontram mestres das várias escolas budistas que convidamos para ensinar em Portugal, como aconteceu com S. S. o Dalai Lama, cujas visitas se traduziram por um grande crescimento da nossa comunidade e actividades.
Há quem também comece por contactar a literatura budista, que conta com vários livros de qualidade, em português. Nesses casos, é a partir da teoria que surge o interesse pela prática da ética e da meditação. Contactando um centro budista, as pessoas participam em actividades comunitárias como a meditação em grupo, a oração e a recitação de mantras, a par da integração disso na sua vida pessoal e quotidiana.
O que procuram essas pessoas?
Como referi, a maior parte das pessoas não procura imediatamente o Budismo, mas antes reduzir a sua ansiedade e stress, gerir melhor dificuldades na vida e praticar meditação. Ora esta é um contacto com uma dimensão mais profunda de nós mesmos, que suscita o desejo de saber mais acerca dos princípios e da visão do mundo que a fundamentam. É aí que as pessoas se começam a interessar pelo Budismo como busca de orientação para as suas vidas, procurando entender qual o sentido e quais as potencialidades da existência humana, em termos de desenvolvimento espiritual e ético.
O que oferecemos na União Budista Portuguesa respeita essas duas grandes motivações. Para as pessoas que visam melhorar a sua qualidade de vida mediante a estabilidade emocional e mental, oferecemos cursos mensais de introdução à meditação. É uma actividade muito procurada, com cerca de trinta ou quarenta pessoas em cada curso. Para quem, além disso, procura conhecer os princípios do Budismo, como orientação espiritual e ética para a vida, oferecemos cursos de introdução ao Budismo e seminários sobre temas específicos da filosofia budista. Convidamos também mestres budistas credenciados, que vêm do Oriente ou residem na Europa, para proporcionar um contacto mais directo com os representantes vivos desta tradição milenar.
O que significa ser português e budista?
Embora o Budismo surja associado a culturas para nós exóticas, a sua prática, para além das vestes culturais que historicamente assumiu, não implica de modo algum que a pessoa abdique da sua cultura e adopte uma outra. O Budismo é apenas uma via para a mente se libertar de ser causa de sofrimento para si e para os outros, realizando, ao mesmo tempo, todas as suas potencialidades cognitivas e afectivas. Se alguns portugueses que aderem ao Budismo incorporam elementos de uma cultura que não é a sua, passado esse primeiro período de fascínio por uma cultura diversa, e com um maior amadurecimento do praticante, o que fica é apenas a busca do desenvolvimento pessoal ao serviço do bem comum. À medida que se evolui na prática e na tomada de consciência do que é ser budista, fica somente o essencial. Aconselho um livro que traduzi, fundamental para nos libertar das ficções acerca do que é ser budista: O que não faz de ti um budista, de Dzongsar Jamyang Khyentse.
Existem alguns preceitos difíceis de seguir numa sociedade ocidental?
Contrariamente ao que por vezes se pensa, os preceitos budistas não são fáceis, pois são exigentes em termos éticos e de disciplina mental. E não apenas nas sociedades ocidentais, pois, para quem os queira seguir de forma minimamente rigorosa, são sempre difíceis de seguir em qualquer sociedade, inclusive nas orientais. Mesmo aí encontramos uma prática popular do Budismo que não corresponde necessariamente a uma prática rigorosa. Mestres budistas provenientes dessas culturas têm reconhecido que o Budismo também aí é muitas vezes “praticado” apenas por hábito social, sem grande esclarecimento, como acontece em geral com todas as religiões. Dito isto, certos preceitos budistas, como a não-violência, o amor e a compaixão universais, a abstenção de tudo o que contribua, directa ou indirectamente, para o sofrimento de qualquer ser vivo, com o que isso por exemplo implica de convite a uma mudança de regime alimentar, chocam com muitos hábitos enraizados na tradição ocidental (apesar do vegetarianismo ser um ideal e não uma condição à partida indispensável para se ser budista). A própria prática quotidiana da meditação choca com os hábitos ocidentais de indisciplina mental e ética, confundindo-se ser livre com pensar, dizer e fazer o que se quer, como se todos os pensamentos, palavras e acções não tivessem efeitos positivos ou negativos para nós e o mundo. Para já não falar da visão central do Budismo, a da vacuidade, a de que nada existe em si e por si, mas em total interdependência, sem características intrínsecas. E ainda transcender a percepção dualista, a separação eu-outro, o apego e a aversão egocêntricos. Tudo isso é difícil, mas não especificamente para um ocidental ou para um português. É difícil para um ser humano que esteja demasiado preso a perspectivas, preconceitos e hábitos social e culturalmente herdados e que não tenha a flexibilidade mental para reflectir sobre o seu fundamento.
Como se relacionam os budistas com as restantes comunidades religiosas em Portugal?
Temos relações de grande cordialidade com todas as comunidades religiosas. Destacamos a participação numa iniciativa da Comunidade Mundial de Meditação Cristã, um encontro inter-religioso mensal que procura congregar pessoas de todas as comunidades religiosas para fazerem meditação em silêncio, cada um segundo a sua tradição, após a leitura de textos sagrados de cada religião, à qual se pode seguir um diálogo. O silêncio inter e trans-religioso é a condição indispensável para um diálogo inter-religioso mais profundo. Quanto a este, assumimos o compromisso com S. S. o Dalai Lama de tudo fazer em Portugal para o promover e temos participado em ou organizado vários encontros inter-religiosos, que têm sido bastante fecundos, na medida em que o facto de representantes de várias religiões se encontrarem e dialogarem é, só por si, um exemplo positivo para as suas comunidades. Todavia, ainda se fica um pouco aquém do que seria um debate mais profundo, não só daquilo que nos aproxima, mas também daquilo que nos diferencia. Se o diálogo inter-religioso em Portugal, compreensivelmente, se tem focado mais nos pontos de convergência, penso que, para maior conhecimento e aceitação mútuos, seria conveniente investigarmos também aquilo que nos divide e a sua razão. Como tenho defendido, creio ainda nas vantagens de que este diálogo se alargasse a agnósticos e ateus, em prol de uma cidadania mais aberta e tolerante.
Devo dizer que lamento não termos sido ainda convidados para a Comissão de Liberdade Religiosa, apesar de sermos a comunidade com maior crescimento nacional e de acordo com o princípio de igualdade consagrado na Lei da Liberdade Religiosa. Segundo o mesmo princípio, também me parece extremamente injusto, grave e discriminatório, além de contrário ao mais elementar espírito científico, continuar a não existir nos Censos a possibilidade dos cidadãos se declararem budistas, hindus ou bahá’is.
União Budista Portuguesa
A União Budista Portuguesa é uma federação das principais escolas budistas portuguesas. Nasceu em Junho de 1997, procurando estabelecer em Portugal uma entidade que represente oficialmente o Budismo e que averigue da autenticidade das escolas budistas, reconhecendo-as como autênticas e aceitando-as como seus membros.
Por outro lado, a União Budista Portuguesa pretende também ser um espaço de diálogo e de intercâmbio, não só entre a comunidade budista, a sociedade portuguesa, as outras religiões e o Estado português, mas também de diálogo interno entre as várias escolas budistas existentes em Portugal, representantes do Budismo Tibetano, do Budismo Chan, do Budismo Zen e outras.
www.uniaobudista.pt
segunda-feira, 27 de julho de 2009
domingo, 26 de julho de 2009
ardente desmesura
o meu ser ardente traça-se no espaço corola ardente
semente de girassol ardente jogada ao acaso
pela força ardente de não ter que ser
alada sede vespertina
consumada agonia do horizonte
circum-navegação do oceano de ser mais
vela de espanto largada ao vento
perdição consumada a cada instante
ardente paixão de ser errante
todos os versos são derradeiros
todos os poemas são verdadeiros
sem razão sem impostura
na implosão da continuação
a versificação do sem nomee
religião universal
augusto comte
catecismo positivista ou exposição sumária da religião universal em onze colóquios sistemáticos entre uma mulher e um sacerdote da humanidade.
sábado, 25 de julho de 2009
aprender a viver
em setúbal, na caldeira do rio onde toda a vida nasce. quando criança aprendia a ver ea espantar-me com o fluxo da vida ao sabor das marés. caranquejos, bivalves, pequenos peixes, tudo fluía num movimento imparável. a terra funda-nos as raízes, omar empura-nos para um fluxo eterno. a religião do movimento e da solidez. o mundo.
Se vives para ti estás morto
"A ironia é a consciência clara da agilidade eterna, do Caos infinito e completo"
(Para a Liliana Jasmim, com votos de um irónico e ágil Aniversário)
sexta-feira, 24 de julho de 2009
"Não fundei a minha causa em Nada"
Se fundo a minha causa em Mim, o Único, ela repousa no seu criador efémero e perecível que se devora a si mesmo e posso dizer:
Não fundei a minha causa em Nada"
- Max Stirner, O Único e a sua Propriedade.
Diálogos IV, A Pena de Holderlin
A leitora não sabe como acordou no deserto. Os que chegam ao deserto nunca sabem como lá chegaram. O deserto, num certo sentido, é o não-lugar. Os que lá chegam desfiguram-se e desnorteiam-se. Na mão, a leitora tem “O Louco” e tem uma vaga lembrança de L. deitada junto ao rio a receber as ninfas que se enrolavam nos seus cabelos. Sem nunca ter estado no deserto, Hölderlin é dos homens mais desérticos que poderia ter conduzido a leitora ao seu não-lugar. Foi o deserto como não-lugar que o tornou um vate, um profeta da Grécia por haver. O poeta, [como o João], procurava e dirigia-se para uma Grécia mais perto do seu orion. Foi no deserto que a leitora encontrou dispersos os ecos dos poemas desfragmentados do último Hölderlin que, desencantado e louco, lhe segredou enigmas que a sua paciência descobriria na conjuntura e num mesmo fio de luz e sombra. No deserto não há norte. Não há início nem retorno. É um invulgar lugar do irretornável. A última poisagem. O lugar por onde já nem os flamingos, nem as corças, nem os corvos, nem as outras aves e animais da arca ou da realidade inútil passam ou fazem caminho, ou se cruzam no olhar da leitora. No deserto, a leitora torna-se cega porque as páginas, as paisagens, não têm margens e são rasgos alucinados de memória. O que se lê, no deserto, não está escrito, nem inscrito, nem gravado, nem preso a caracteres ou frases. O que se lê não se encontra ou se procura; encontra-nos, procura-nos, como a voz de Deus aos profetas. O lido elege-nos para uma desorientação que deixa de atormentar, o lido é uma desorientação vital para a alma de quem leu os poetas e quer com eles alcançar os píncaros da Vida (Pascoaes, “O Poeta”).
Os cegos, relembrava Ernst Junger, dirigiam-se para estes lugares. Os lugares da luz, mas os lugares da luz são os lugares da sombra. Onde ela é também mais extensa e mais intensa. A sombra, como o bastão do cego, orienta não os que se afastam do mundo, mas do imundo em que a alma combate com o outro o que ela deveria combater com o seu duplo, o seu daimon. Há muitos anos a leitora foi colhida numa tempestade de areia, tinha nas mãos a arca vazia do passado e ainda assim, no corrupio dos ventos, na sua movimentação de dervixe, as saias dos ventos recolheram o vazio e espalharam-no nas páginas abertas do livro do deserto. A leitora vislumbrou linhas de aves invisíveis e perscrutou o imperceptível que atravessa a vida. As aves soletravam e cantavam o hino à vida que nenhum humano soube entoar. Ela admirou o seu bailado em fundo azul. E leu com o coração, de cor, nas páginas sem margens e plenas de memória das areias do deserto, para que aves raras conhecessem a melodia do mundo antigo, os versos do último Hölderlin. Essa memória era o convento onde fechara os sonhos para se entregar às vertigens. A leitura era um voo e os livros o peito aberto do pelicano que alimentou os pobres de espírito. Misturando a sua voz à dos versos ininteligíveis com a dos pássaros sem nome, a leitora recebeu Messiaen no céu do deserto. De um lado tinha o rosto de Hölderlin e do outro a música de Messiaen. O inexistente oitavo livro dos pássaros era Hölderlin a cantar os seus próprios versos, cego no indireccionado do bailado das aves. Acolhido o milagre, como a revelação a que toda a leitura conduz, a leitora prosternou-se diante dos seus pés, dos pés do poeta da escrita iluminada. O da escrita iluminada, caminhou pela sombra e o único bastão que levou na mão foi a pena dos pássaros que com ele fizeram corona sua derradeira experiência trágica da música e da poesia. Esta foi a pena que a leitora encontrou na areia sem rasto por onde, na sombra do poeta, a leitora fez a mais densa experiência da leitura. Ler o que não se vê, mas a memória sabe na sua cegueira de Tirésias, é esquecer a liturgia e receber o que é divino. O deserto transfigura a voz da leitora em sons de harpa divina. Ler com o coração é ler mais do que ler com a inteligência. A voz aquecida nos fios da harpa solar, tocados pelo vento desértico, faz a leitora pronunciar a verdade sem o nome e ler o mundo como composição musical, mesmo quando ele é ruído e devastação.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Limpar Portugal!
31 de Outubro 2009 o dia inteiro - Portugal
Neste dia, todos juntos, vamos fazer de Portugal, de facto, um "Jardim à Beira Mar Plantado"!
Venha auxiliar a limpar Portugal. A Estónia já o fez num só dia. Acredito que os portugueses também sejam capazes!
Sobre LimparPortugal
Landmania clube de Portugal, Nuno Mendes, lançaram a ideia de se recrutar nacionalmente milhares de voluntários, e num dia, LIMPAR PORTUGAL!
mais em http://limparportugal.ning.com/
para além da crítica
jean-jacques rousseau
Rua Augusta, junto ao Rossio, 5ª feira, a partir das 17 h - Recolha de assinaturas para o PPA
PPA – Partido Pelos Animais
Na próxima quinta-feira, dia 23 de Julho, a partir das 17 horas, um grupo de cidadãos, entre os quais várias personalidades do meio artístico e cultural, vai estar presente na Rua Augusta, junto ao Rossio, numa acção de rua com o objectivo de recolher assinaturas para a oficialização do PPA.
O Partido está a proceder em todo o país à recolha das 7500 assinaturas necessárias para entregar no Tribunal Constitucional.
Esta causa conta com o apoio, entre outros, de várias personalidades nacionais e internacionais, como o líder espiritual tibetano Dalai Lama, a ex-ministra indiana Maneka Gandhi, os actores Sandra Cóias, Pedro Laginha e Heitor Lourenço, a cantora Ágata, o líder dos Blasted Mechanism Valdjiu e o pintor Vítor Pomar.
Nesta acção de rua estarão presentes Sandra Cóias, Heitor Lourenço, Bárbara Taborda, Alexandra Silva, Mafalda, Sónia Brazão e Ana Bola, entre outros actores, actrizes, modelos, manequins e figuras conhecidas da comunicação social.
Para mais informações contacte:
Paulo Borges
918113021
www. partidopelosanimais.com
geral@partidopelosanimais.com
A Comissão Coordenadora do Partido Pelos Animais
Algo ainda mais intolerável no sofrimento dos animais do que no dos homens
- Romain Rolland, Prémio Nobel de Literatura.
...
A brisa num poema
A tarde delicada em alfazema
Todas as palavras são incertas
As frases no imenso estão desertas
O silêncio a verdade impura
A escultura de mim no mármore da escrita
Soltura de versos abertos
No fogo da expiação da loucura
Ilusão ou impiedade maldita
Todos os erros na errância são certos
Como de purpurinas inconstantes
Nos enfeita o desejo
Como se ajeita a perdição dos errantes
Tão certa tão ritmada com o vagar das estrelas
Que todo o mundo se perde por um beijo
E a vida toda toda acesa por demais
As saudades e os cadernos de folhas amarelas
Partir partir sem a completude de um cais
São desiguais os dias todos tão iguais
Perdem-se as alegrias por medo de perdê-las
Animais-máquinas ou de como os filósofos podem ser muito estúpidos
- G. W. Leibniz, Carta de 1648 a Ehrenfried Walter von Tschirnhaus, in G. W. Leibniz, Philosophical Papers and Letters, Dordrecht, Reidel, 1969, pp.275-276.
terça-feira, 21 de julho de 2009
XVI
há uma faca apontada às jugulares:
o silêncio como mantimento.
A morte equilibra-se em nossos corações
com o deslumbramento.
Há-de haver um corpo que transite de alma em alma
e em cujos olhos se alumie a força brutal da mesma vida.
Há-de haver uma voz desvairada que se derrame como napalm
sobre a noite que nos envolve.
Por agora não sei como tocar a distância de onde nos falam.
de O vento soprado como sangue, Cosmorama, 2009.
Transcender Deus e igualdade primordial
- Mestre Eckhart, "Beati pauperes spiritu...", Sermão 52.
EPIPSYCHIDION (5)
Existia um Ser que o meu espírito
tantas vezes encontrava, lá no alto, entre os sonhos
ao despontar a manhã clara e dourada da juventude;
sobre as ilhas encantadas, com luminosas clareiras
entre montanhas maravilhosas, e as cavernas
do sono divino; sobre a ondulação aérea
de sonhos cheios de prodígio, cujo oscilante chão
suportava os seus ligeiros passos, e numa margem
imaginada sob a pálida falésia de qualquer promontório,
-esse Ser vinha ao meu encontro, vestido de tal esplendor
que se tornava para mim invisível. Com a solidão,
a sua voz veio até mim dos bosques sussurrantes,
chegou com o canto das fontes, com o profundo aroma
das flores, como se os próprios lábios do sonho
murmurassem os suaves beijos que a adormecem
e, na atmosfera enamorada, apenas falassem do seu nome;
chegou com o maior ou menor rumor das brisas,
com as chuvas que caem de todas as nuvens,
com a harmonia dos pássaros do estio,
com todos os sons, e o silêncio. Nas palavras
de poemas antigos e de lendas - na sua forma,
sonoridade, cor - , em tudo o que pacifica aquela
Tempestade
que sufoca o passado com o presente destruído,
nesta suprema filosofia, cujos indícios
são o destino que conduz a nossa dolorosa vida
a um glorioso, ardente martírio,
ficava o seu espírito, a harmonia da verdade.
Erguia-me das cavernas onde sonhava a minha juventude
e encaminhava-me, com sandálias de fogo,
em direcção ao astro do meu único desejo,
voava perturbado como uma falena, cujo movimento
é igual a uma folha morta numa luz crepuscular
quando vai procurar junto de Vésper
uma morte luminosa, um radioso sepulcro,
como se fosse a lâmpada duma chama terrestre.
Shelley
in Poesia Romântica Inglesa (Byron, Shelley, Keats)
Relógio D'Água, 1992
Tradução de Fernando Guimarães
Homens e animais ou de como tudo é "pó" e "vaidade"
Tudo caminha para um mesmo lugar:
tudo vem do pó
e tudo volta ao pó"
- Eclesiastes, 3, 18-20.
"Vaidade" traduz o hebraico "hebel" (vapor, sopro), que aqui designa o "ser ilusório das coisas", segundo o comentário da Bíblia de Jerusalém.
Madalena
Que isto pode pensar-se e intimizar-se com o vazio e a tristeza mas sem deixar de escutar aquela pura pulsação que traz o bom.
Para Mada
segunda-feira, 20 de julho de 2009
A Baqueante
Não sei se o há
Havendo-o, não o vejo
Não o havendo, mais o anseio
Ainda mais concretamente
O desejo
Nunca fui de encobertos, da bruma em glória
Sou, desde tenra memória
De frescas alvoradas macias azuis
Antes,
De ocasos cor de fogo e prenhes de tudo
Contudo
Contudo…
O retiro que eu queria não se retira dessa fímbria
Dessa fina tira da reminiscência
Não assoma agora
Àquela porta
Não se adentra pelas janelas que batem com as correntes de ar
(Será que há ar, no retiro a que aspiro?
Aspirar sem respirar não poderia!)
Será talvez castigo este desencontro
Este apartamento, o desmembramento de sentir
Se amores tenho
Qual a impossível razão
Deste ansiado check-in para a Utopia
Que é, como sabemos, nenhum lugar?
De que tépida desrazão é feito o mundo?
Os mornos serão cuspidos
Como eu cuspo tudo, neste serão
Porque é verdade que a cidade é putrefacta e me enoja deveras
Assim como é sabido do fim prematuro de todas
As Primaveras
Por causa das psicopáticas alterações climáticas
Lamento meus caros
Mas é talvez verdade que já não tenha
Forças simbólicas
Pernas erráticas
Sonhos desvairados e sãos
Talvez a existência seja um arame farpado
De mil nãos
De mil mãos
Fechadas
Talvez afinal todas as histórias de infância fossem para nada
E o meu retiro não seja sequer
Em parte alguma
...
E se agora tergiverso
É decerto porque
Já não me sobram versos para descortinar
A dúvida
De saber se também inexisto
Como aquele lugar
Que não é
Pois não?
domingo, 19 de julho de 2009
ausência
Não se repete o que é eterno
A dança de dentro na quietação do pleno
A paixão da luz que se entrança
Nas coisas desertas de mim
A sede a frescura presa a dois dedos de conversa
Conversos ao sonho voamos na largura que nos tem
No regaço da noite presa por pouco
Ao sorriso de alguém
Pode até ser a imaginação e tudo mais
A irromper do fundo de onde o escuro brota
Para fecundar a claridade
A intensidade do olhar
Nada tem que o torne presa da concretude
Num dia o universo inteiro se faz no dia
O que nos chega descoberto ou não
Mas tudo é mais que tudo
Se visto com o coração
Até a sombra do que foi
Os restos só são restos na incompletude da memória
sábado, 18 de julho de 2009
animais domésticos
gilles deleuze
"A presunção é a nossa enfermidade natural e original. A mais calamitosa e frágil de todas as criaturas é o homem, e ao mesmo tempo a mais orgulhosa"
Divina Dialéctica
através da liberdade fictícia e crua
rege o rei corno, o coroado do nada
andando vermelho, rígido e nu
nos palcos vaidosos da humanidade
embrutecida na fé pelo material,
ela acredita ainda na despida verdade
e louva o imanente e o infernal
mas o que cicatriza é o transcendente
a vertigem sublime, bela e convulsiva
que ultrapassa o barro e a serpente
na união delirante, absoluta e viva
do espírito leve com o corpo independente,
sensual e celeste - na ascese erótica da vida.
para o nosso amigo R. L.
Madragoa, 17.VII.09
"O verdadeiro teste moral da humanidade..."
- Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser, tradução de Joana Varela, Lisboa, Dom Quixote, 2000, p.329.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Luxúria
Raul Leal, Sodoma Divinisada, p. 12
rosa- velho
a mirra o incenso o jade
o alabastro a ogiva
o que a mim aprouver
aos deuses con-cativa:
o sal o sul
o teu perfume a sol
o azul
detrás da tua forma-carne
a rósea cor festiva
viva a liberdade
quinta-feira, 16 de julho de 2009
quarta-feira, 15 de julho de 2009
“Não posso estar em parte alguma. A minha / Pátria é onde não estou [...]"
Contrição
não pode ser percorrido
num instante
Mas deve ser perfeito no Instante
Só perfaz o Caminho
quem em si se cala
e no grito supremo
instala a morada
do sopro mais ténue
da sua respiração
O silêncio
é a vibração do oco do tempo
em campânulas aceso
no seio da obscura
presença da totalidade
em flor o olhar
o perfume a essência
o longe que vem anunciado
no vento das vésperas
terça-feira, 14 de julho de 2009
Os Cinco
Branco ou tinto, confrades?
Hoje não sei se preciso branco ou tinto,
A leveza branca ou o profundo vermelho das uvas
Do nosso país.
Segundo:
Que país, pá!
De que falas?
Pede o vinho e cala-te.
Terceiro:
Também não sei?
Carne ou peixe, céu ou mar?
Tudo se abre em mim como no horizonte
E antes do horizonte indefinido.
Carne sangrenta ou peixe branca e salgada?
O sangue doce é a anunciação do crepúsculo,
O peixe do mar é o voo do espírito.
Mas o que quero, será que sei?
Quarto:
Eu não tenho duvida do meu cardápio,
Pois vou comer uma Omeleta
Nem carne, nem peixe
Somente ovo –
Ai, mas o ovo também me faz pensar…
Segundo:
Não começa de novo
Você já escolheu
E as perguntas só aparecem depois.
Eu vou comer um salmão.
Terceiro:
O que, um salmo? Que salmo?
Segundo:
Um salmão, caramba!
Escolhe tu o vinho!!!
Quinto:
Se eu pudesse escolher o vinho
Um vinho bom
Iria escolher um vinho que ainda não existe.
Mas assim prefiro um vinho tinto
Para chamar o profundo
O fundo sem fundo
Que ainda não chegou em nos.
Terceiro:
Então a carne, um bife
Para acompanhar o vinho
Para me.
Primeiro:
Um vinho tinto então!
(o vinho tinto vem e eles enchem os copos e brindam)
Primeiro:
Nos somos cinco e tudo que seja, será cinco.
Cinco como nos cinco,
Quinto, cinco, quinto…
Todos:
Nos, o Quinto
Cinco dedos da nossa mão
Cinco sentidos unidos
Cinco extremidades e um coração
Quarto:
Mas, o que…?
Não entendi?
Que extremidade?
Segundo:
A sexta extremidade.
Terceiro:
Para de rir e de falar besteira,
Somos todos tudo ao mesmo tempo!
Primeiro:
Somos tudo todos. Os cinco e o quinto…
Saúde!
Todos:
Saudade!
Silencio … E no encoberto do restaurante ergue se uma voz sonora:
E quando vamos para Amarante?
FIM
segunda-feira, 13 de julho de 2009
Os Mortos
que nos concedem
podemos andar nus
diante de seus retratos.
Não reprovam nem sorriem
como se neles a nudez fosse maior.
Carlos Drummond de Andrade
(De Lição de Coisas)
QUADRA P´RA PULAR
"pilha-galinhas"
a alguns meses de privação de liberdade.
A QUADRA
POR ROUBAR DUAS GALINHAS
LÁ VAI PRESO O SALAFRÁRIO
LIVRE COMO AS ANDORINHAS
SÓ ROUBANDO UM AVIÁRIO
boas férias - se for caso disso