O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 29 de maio de 2009

vida nua/belavista II

a decisão soberana está desde o início ligada à discriminação entre membro e não-membro. o leviathan não precisa de utilizar o seu monopólio da violência para decidir sobre a vida e a morte, pode excluir e colocar a condição humana individual numa situação periclitante ou mesmo ausente.
o poder soberano faz a ligação entre norma e realidade, institui a norma e cria a excepção para melhor dominar.não se limita ao antigo poder do patriarca que é uma relação fundacional e de violência à qual se pode resistir.ele decide sobre a condição de vida ao transformar um individuo em vida nua.

ps.estes pequenos apontamentos são baseados num estudo próprio sobre giorgio agamben

21 comentários:

maltez disse...

não existe leviatan apenas leviatanos.

Luiz Pires dos Reys disse...

Partindo do "princípio" de que apenas há leviatanos, há também a egrégora (holónica e não só) dos tais: logo, há Leviatan.

Lembro-me, e lembro aqui, duas frases acutilantes de Ayn Rand:

"Contradictions do not exist. Whenever you think you are facing a contradiction, check your premises. You will find that one of them is wrong."

"Government 'help' to business is just as disastrous as government persecution... the only way a government can be of service to national prosperity is by keeping its hands off."

(citei de memória)

maltez disse...

Lapdrey,

queria apenas significar que maior é a opressão de nós sobre nós mesmos.

E que o Estado não tem assim tanta importância, embora possa legislar duramente e ter uma carga fiscal avassaladora, por exemplo agora com a nova história do imposto europeu.

Penso que os patrões são mais opressores que o Estado, porque lidamos diariamente com eles e calamos, sob pena de despedimento.

Luiz Pires dos Reys disse...

Aqui, de novo me ocorre Ayn Rand (is this Ayn Rand's Day? rsrs):

"Evil requires the sanction of the victim."

Entre rebelde (no fundo, inconsequente) e carneiro prostituidamente amestrado e
auto-consentido, a maioria prefere o sofá da segunda ao desterro acossado de sem-lugar, da primeira.

Talvez por isso, haja mais quem faça sofás do que esteiras, e subsistam ainda as poltronas de quem nos cilha a cerca onde muitos se imaginam seres livres.

Esses são os que mais responsabilidade têm, sem mesmo a saberem: atraiçoam a própria traição em que se libertariam porventura...

Quanto a patrões e a Estado: uns defendem o pêlo, o outro curte-o de todos os modos.

maltez disse...

Verdade.

Mas penso também que a maior revolta é contra a nossa própria inércia e vista limitada pelo que nos habituámos a comer.

Há dias falava-se aqui da contingência e da libertação da mesma; entendo que a revolta é precisamente isso.

E por isso não falamos aqui - como penso que Lapdrey não fala - da revolta que se explicita em cartazes e manifestações, senão numa manifestação de mudança de vida, que eventualmente trará uma nova perspectiva sobre o mundo.

baal disse...

nem o estado nem o patronato são decisivos na questão.os fluxos de poder transfiguram-se, na sociedade de controlo são sociais.
mudar de vida... para que vida?

'depois dos campos (concentração), não há regresso possível à política clássica; neles, cidade e casa tornaram-se indiferenciáveis e a possibilidade de distinguir entre o nosso corpo biológico e o nosso corpo político, entre o que é incomunicável e mudo e o que é comunicável e dizível, foi-nos retirada para sempre' agamben

maltez disse...

baal: para a vida despojada e comunitária, tribal, no máximo das nossas forças. Claro (?) que isto não é possível onde há muita densidade populacional. Retorno ao primitivo.

Não conheço Agamben, mas é judeu, esteve em algum campo, é descendente, ou apenas reflecte sobre o que aconteceu?

maltez disse...

de resto concordo em que o controlo é social, mas isso é feito pessoa a pessoa, individualmente, quando outros tentam exercer poder sobre nós e vice-versa. Por isso digo que não existe leviatan mas apenas leviatanos.

Luiz Pires dos Reys disse...

Entendamo-nos, meu caros.

Se o controlo é a capacidade conquistada ou concedida (o que vai ao mesmo) que determinado ser é capaz de exercer sobre tal outro, a que nível for - isso é vínculo, porque de vinculação se trata; logo, também, é recíproca dependência e sujeição, ainda que "hierarquicamente" aceite, com a vontade ou contra ela, no desnível que a suporta e alimenta.

Mas, isso não significa, quer-me parecer, que o vínculo seja "social".

Ou seja, ele consuma-se social e societariamente, mas não tem aí, na relação exterior, a sua mais profunda raiz, que radica, sim, no íntimo do homem e na sua capacidade, ou não, de espelhar a mais valerosa e venturosa natureza do seu espírito, com a intacta nobreza arquetípica do guerreiro.

Pode-se ser escravo e morrer (e assim ter vivido) como um rei. Pode-se ser rei, e viver toda a vida escravo da própria cobardia de ser.

Podemo-nos render perante os poderes - públicos, semi-públicos, privados, ou outros, não importa - que, de acordo com o seu intrinseco pendor para o domínio e a actividade predadora, tudo farão para subjugarem-nos, ou então podefremos manter (contra tudo e acima de tudo) firmeza no que não pode nem deve ser vendido, precisamente porque não é negociável, logo não é renunciável senão à força da renúncia à própria natureza.

A assim não fazer-se, nada poderá preservar o homem da vil mais currupção de si, partilhada e viral, que assim tem comum licença para graçar, como hodiernamente a tem, por (quase) toda a parte.

Luiz Pires dos Reys disse...

N.B. A revolta a que eu me refiro, caro Maltez, é a bem dizer a "metanoia", a "reviravolta" do do espírito do homem, que me parece dever ser a sua incessante condição de "caminhar": recolhimento e, nisso, re-colhimento;
concentração e, assim, con-centração.

maltez disse...

Lapdrey, concordo plenamente com o teu penúltimo comentário, especiamente em que há algo que não pode ser vendido e de que não podemos/devemos abdicar e que devemos reivindicá-lo sempre que isso está em causa. A autonomia.

maltez disse...

"Incessante condição de caminhar" - concordo, até ver.

Luiz Pires dos Reys disse...

Permito-me notar, Maltez, o que escrevi (pequena nuance, apenas):

"incessante condição de 'caminhar' "

- "caminhar", que aspei, para denotar e assim porventura prever o para-doxo que vai além de doxa e doxias, entre caminho e não-caminho no "caminhar"...

A pulverização da razão cindinte, pois, que por aqui tanto ocorre em posts e comentários ...

(Se com proveito ou sem ele, a cada um de sabê-lo...)

maltez disse...

Paradoxo no caminhar? A mente não caminha? Ou só o corpo se move?

maltez disse...

Lapdrey, o que é a razão cindinte?

baal disse...

armas para o povo, eis em 35 anos a única palavra de 'ordem' que percebi

maltez disse...

os ventos revolvem-se e infelizmente novos domadores surgem.

maltez disse...

o povo torna-se governo, o governo torna-se povo, ad eternum.

baal disse...

maltez, falava de armas não falava de música. vê se acordas.

Anónimo disse...

lol ok

baal disse...

ninguém fala de hegel, fala-se de foucault, e da derrota da liberdade.