O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 8 de maio de 2009

Serenos Sobressaltos - "Basta pôr fim às visões falsas"

"Não é necessário procurar a verdade. Basta pôr fim às visões falsas"

- Sin-sin-ming, 3º Patriarca do Ch'an.

Que serão as "visões falsas"? Diria: as visões.

11 comentários:

Anónimo disse...

As ideias construídas pelo nosso ego ao tentar apoderar-se da realidade? A vontade louca que tudo tenta ser e abarcar? Tudo aquilo que ao mundo queremos mostrar? O homem que diz "eu domino"? Aquele que se afirma? O que não caminha, não respira, não vê, não ouve, não toca, mas que tudo concebe? O que não lambe o brilho do chão cinzento numa fria tarde do nunca em Paris ao longo do rio inominável?

Anónimo disse...

Se puseres fim as visões falsas, estás na verdade, porque tu e tudo o que te rodeia é a verdade. Tudo o que possas conceber para lá disso não é a verdade, mas uma mera concepção.

Anónimo disse...

As concepções não são necessariamente falsas, mas não são a verdade, embora fazem parte da verdade já que existem desde que sejam concebidas.

Anónimo disse...

Tudo o que abstrai da realidade não se adequa à realidade, é vazio e não se refere a ser algum. E falar em "realidade" é já conceber, porque tentativa de abarcar as coisas que são numa palavra. É um caminho fácil, falso e incompassivo para Deus.

Anónimo disse...

A própria palavra "Deus", no sentido do comentário anterior, é tentativa de abarcar as coisas que são numa palavra, porém numa palavra não vazia, mas compassiva. Mas Deus não está aí, mas nas coisas que são, sejam elas o que forem.

Paulo Borges disse...

Caro anónimo, tudo isso não serão ainda "visões"?

Anónimo disse...

São visões(-produções-concepções). Vontade de ser porque (se sente que) nada se é.

Como falar do outro, quando o não somos? Restar-nos-á frui-lo? E o que sentido tem a palavra "frui-lo" quando existe tanto sofrimento? Não será esta palavra uma perversão da verdade?

Anónimo disse...

Teremos visões porque estamos apegados ao outro, como este anónimo que aqui fala está apegado a esta Serpente que o emociona e com a qual aprende e apreende?

Anónimo disse...

Ou tê-las-emos porque estamos apegados a nós mesmos? Estarei de facto não apegado à Serpente mas a mim mesmo? E porquê esse apego? Mera vontade de afirmação? A vontade de afirmação é vontade imposição, o que é um tique autoritário. Bendita seja a autoridade que não se impõe.

Anónimo disse...

Como não ter visões? (pergunta não retórica)

Limitando-nos a ser para que assim com tudo nos unamos e ilimitados mais não sejamos amor puro? Luz na escuridão? Ou serão isto ainda visões? Se assim é, alguma vez me libertarei delas? Alguma vez serei? Alguma vez fui? Sou?

Sou real como as pedras, sou areia, sou vento, sou mar, sou céu, sou pássaro, sou peixe, sou as folhas caídas, pedaços de papel esvaídos em sangue, sou lágrima, sou riso e sorriso, sou nada, sou tudo.

Um grão de areia no infinito, uma praia deserta, sou respiração. Sou a minha própria visão. Eu sou visão. O eu concebido é visão - será esta afirmação uma visão?

Será que tudo o que possamos afirmar ou negar é visão? Será que quando eu como um gelado estamos apenas perante alguém que com algo faz alguma coisa? Sobra-nos o acto - Deus como acto puro: será isto ainda visão?

Será este diálogo um agregado de visões?

Como viver sem afirmar nem negar? Não é afirmar e negar o mesmo que pensar? Como não dizer o que se pensa? Por que não dizer o que se pensa?

Porquê não pensar na rua escura da vida, eterno e memorial caminho, e exprimir o que da realidade se extrai, em vez de não se pensar?

Não pensar?
Ou não passar do pensamento à palavra?

Sim, tudo isto são visões que alguém deve ter tido. Talvez isto mostre que a visão é uma constante na existência da humanidade, que ainda não nos libertámos delas.

E se tivermos visões boas, que orientem o mundo para um mundo bom, que tornem as pessoas mais felizes, por que não tê-las e exprimi-las?

Se assim é, que espontaneamente surjam e que espontaneamente se exprimam. Benditos aqueles que fadados nascem com estas visões, benditos aqueles em quem estas visões são inatas.

Fazem falta.

Anónimo disse...

Leia-se "mais não sejamos que amor puro".