O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 1 de maio de 2009

Pontes Sinfónicas

Os deuses, não os reis, são os tiranos.
É a lei do Fado a única que oprime.
Pobre criança de maduros anos,
Que pensas que há revolta que redime!
Enquanto pese, e sempre pesará,
Sobre o homem a serva condição
De súbito do Fado.

-Fernando Pessoa, 1922

Durante a batalha em Bodhgaya, Mara utilizou múltiplas armas contra Siddhartha. Tinha, em particular, uma colecção de flechas especiais. Cada flecha possuía poderes ruinosos: a flecha que causa desejo, a flecha que causa obtusidade mental, a flecha que causa orgulho, a flecha que causa conflito, a flecha que causa arrogância, a flecha que causa obsessão cega e a flecha que causa a ausência de consciência, para nomear algumas. Nos sutras budistas lemos que Mara permanece sem ser derrotado em cada um de nós: ele envia-nos constantemente as suas flechas envenenadas. Quando somos atingidos pelas flechas de Mara, tornam-nos inicialmente entorpecidos, mas o veneno espalha-se então por todo o nosso ser, destruindo-nos lentamente. Quando perdemos a consciência e nos apegamos ao eu, é o veneno entorpecedor de Mara. Lenta e seguramente seguem-se as emoções destruidoras, vertendo-se no nosso ser.

-Dzongsar Jamyang Khyentse, O Que Não Faz De Ti Um Budista, Lua de Papel

Sim, virão "tempos de ser Deus". Sim, temos de ser Deus. Porque já, no fundo sem fundo, no mais que nós de nós, desde sempre, para sempre, a cada instante, O somos. E mais que Deus, porque mais que homens, mais que algo ou alguém: este não sei quê infinito e inefável que pressentimos nos instantes mais gratos e plenos das nossas vidas. Só há que manifestá-lo, para romper todas as prisões que asfixiam o Céu e a Terra. Nas línguas de fogo de um Pentecostes cósmico.

-Paulo Borges, Tempos De Ser Deus, Âncora Editora

6 comentários:

Paulo Borges disse...

Amigo, colocar um texto meu a seguir a um de Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche é colocar um fósforo a seguir ao sol...

Quanto a Pessoa, acho que não estamos de acordo com ele dizer que "sempre pesará" O Fado sobre o homem. A Libertação é possível porque a Liberdade é a nossa única natureza autêntica.

Saudações

afhahqh disse...

Os homens, não os deuses, são os tiranos de si mesmos. Mara é uma representação de múltiplas facetas da nossa personalidade. Somos Deus "nos instantes mais gratos e plenos das nossas vidas".

Oestrímnia disse...

Esqueçam o homem, os deuses, Deus e a vacuidade. Honrem a vossa matriz arcaica. Dispam-se do lixo indo-europeu!

Catita disse...

Ora bem, mais um - ou uma? - que vem partir a loiça toda! Isto aqui já são tudo cacos.

Anónimo disse...

Oestrímnia, eu diria mais: matem o homem, os deuses, Deus e a vacuidade, aniquilem todo o lixo, todos os cacos, todas as matrizes arcaicas, todos os budas e cristos que alimentam os nossos medos e esperanças, que nos fazem estar amarrados à existência como um náufrago agarrado a uma boia com medo de se afundar e com esperança de ser salvo. Deixemo-nos, pois, afundar no abismo sem fundo para renascer livres «da serva condição de súbito Fado», livres das flechas de Mara, livres para abraçarmos os novos tempos que virão, o tempo do sem tempo.
Que tudo se parta pois não há nada para partir.
Saúde louca!

Trovão disse...

Boa! Finalmente isto aquece! Será do Dia do Trabalhador ou das Fogueiras de Beltane?