O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Dos Arquétipos do Ideal Português às Instâncias da Realização de Si - VIII

Descobrimento

Des(en)cobrir pode ser mais do que desocultar: ver(-se) através do que cobre ou se encobre, revelar a transparência da opacidade ou, melhor, mostrar não haver opacidade que não seja transparente. Mas para isso é necessário haver ido já ao fundo sem fundo e ser-se já onde sempre se é: do outro lado do espelho ou do outro lado de haver lados. Ser-se já o País de todas as Maravilhas, de todos os possíveis e dos impossíveis possibilitados. Isso mesmo que somos. Esplendor e prodígio, glória e graça, maravilha fatal além de toda a idade.
Pois, bem vistos, que somos nós e tudo a 360 graus à nossa volta, desde o estarmos aqui até aos confins de não os haver, senão o esplendor desnudo de algo sem quê, porquê ou para quê ? Que causa, razão, sentido ou fim é maior do que a presença muda destes caracteres, écran ou sala na consciência de os haver ? A esta luz, que é maior que eu e tu, leitor ? Que princípio ou fim do mundo, que deus ou diabo, que louco ou sábio, pode acrescer ou tirar ao incriado de estarmos aqui ? À explosão silenciosa do mistério que somos ? À infinita volúpia de não haver uma partícula de poeira que não seja aquilo para além do qual nada mais há, aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado ? De nada haver, para onde quer que se mova a nossa percepção, que nos não traga o sabor do infinito, com o travo à maresia do nosso tremendo naufrágio e salvamento ?
Dir-se-ia que perante o fulgor do Descobrimento nada mais resta. E todavia só agora tudo se inicia. Pois onde a terra acaba Amor começa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Para onde poderemos ir, após desencobrirmos ser o para além do qual nada mais há?

Anónimo disse...

Se somos o além e queremos ir para algum lado, só nos resta derivar para aquém. Se somos o infinito e isso não nos satisfaz, essa não satisfação já é a finitude. Creio ser isso que explica termos nascido e estarmos aqui.