O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Desculpável enfermidade

"Infelizmente meu tio, se não em conversação, pelo menos quando falava em público, tinha a pronuncia perra e difícil, defeito terrível num orador. Muitas vezes, nas lições, necessitava interromper-se; lutava com algum vocábulo bravio que não queria deslizar-lhe pelos lábios, antes resistia, inchava e só saía por fim sob a forma pouco científica de praga. O doutor desesperava-se. Em mineralogia há inúmeras denominações semigregas, semilatinas, difíceis de pronunciar, palavras bárbaras que esfolariam lábios de poeta. Não quero dizer mal desta ciência. Longe de mim tal ideia. Porém, à língua mais ágil é lícito negar-se quando tem de amoldar-se a cristalizações romboédricas, retinasfaltos, fucshites, goetites, molibdenatos de chumbo, tungstatos de manganês e titaniatos de zircónio.
A desculpável enfermidade do meu tio era conhecida em toda a cidade; zombavam dele e, quando ele se enfurecia, riam a bom rir, o que até na Alemanha é de mau gosto
."
In Viagem ao centro da Terra

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