O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 20 de setembro de 2009

viagem
















Sem amanhã o gume da viagem jugula a despedida

Lume de prata aceso no vítreo despontar das lágrimas

Toda a lua reflectida na inteira presença da morte

O chão tem ondulações de rocha e profundezas arremessadas de dentro

Só o mar tem fundo

Onde há mergulho é o abismo

A água amniótica do sem princípio

No reverso da qual o íntimo é praia sobre si própria projectada para além

Náufrago do instante o que se larga à demanda

Ao largo de qualquer terra firme

Argonauta do esquecimento

Sem procurar encontra-se impenitente

Aquém da inocência e da incompletude

São suas todas as horas perdidas contas de vidro antigo

Presas umas às outras pela desatenção alucinada

Os lábios gretados pelo sol rubro da espera

Desenham voos silenciosos de prece e abandono

Não tem dono o sofrimento repleto de despojos do longe já pretérito

O mais insuportável dos cárceres é o infinito

2 comentários:

Anónimo disse...

(Paulo, deixe que navegue o seu poema por este rio meu. Como são belas, profundamente belas e tristes as suas palavras!)

Sem amanhã não há:
“O mais insuportável dos cárceres é o infinito.”
A lua cabe inteira numa gota de água
És tu a clara gota:
Aí verás que o chão do céu não “tem fundo”
E o abismo é o tempo sem asas
Mergulhado no mar circular do ventre
Náufrago da demanda, o Argonauta
visionário da terra firme fita o
“Argonauta do esquecimento”:
Suspende o instante o tempo entre dois nós
Entre infinitos me encontro:
cárere do cárcere!
Gume impossível do encontro
Cortada lágrima antes que tombe
no cristal navegável do tempo
até que a barca entre na jugular do mar
morrendo, areia fina do deserto,
Saudoso de si.

Um beijo.

Paulo Feitais disse...

Belo rio...
e recebo o beijo como um afago de luz...

que retribuo com um sorriso
:)