O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 30 de abril de 2009

ensaio à memória de Edgar

Tinha guardado o número de telemóvel do funcionário da ainda EDP numa Agenda abandonada de 2001.
Porque recorria com muita frequência à sua prontidão gentil sempre que tinha avarias elétricas no Monte:
-diga, senhor engenheiro, o que é que deseja agora do Guilherme...

Sabia que tinha morrido eletrocutado num acidente estúpido quando montava uma linha de alta-tensão no Ribatejo.
Apesar disso, não risquei o número da Agenda, e agora, quando voltei a ter problemas em casa,
liguei para o seu número, na estulta hipótese de que o seu telemóvel tivesse transitado, na empresa, para quem lhe sucedia nas funções.

Liguei, tocou, demorou algum tempo a atender:
-sou, sim, Guilherme, queira o senhor engenheiro dizer o que pretende
-mas, Guilherme? será que tem o mesmo nome do colega....
-nada, sou eu mesmo, o que morreu de acidente em Santarém, quando montava uma linha de alta-tensão já nas proximidades de Almeirim....
- não brinque, por favor, morreu e fala comigo ao telefone?
-desligue e ponha o telemóvel em local visível, não o guarde no bolso e veja o que vai acontecer.
É que eu continuo a arder.....

Procedi em conformidade, meio crédulo meio em pânico. Fechei o telemóvel e coloquei-o, desconfiado, sobre o balcão de mármore da Cozinha.

Explodiu de imediato, provcando uma chama enorme, exalando um cheiro intenso a enxofre e a ozono

6 comentários:

Paulo Borges disse...

Tremenda história, Platero!

baal disse...

uma história de 'non-sense', mas também revolucionária, são sempre os trabalhadores que 'ardem'
por 1 de maio revolucionário.
que nunca se apaque a chama.

platero disse...

Paulo

Parece gira. Estou agora a frequentar um curso de escrita criativa, pede-se uma estória de ficção ( fique são) e eu lembrei-me de começar a escrever: palavra puxa ideia, ideia puxa palavra - aí está o resultado.
Edgar Allan ou Kafka esticariam a matéria e produziriam romance. A "Metamorfose", que li em miudo, se quisesse reproduzi-la aqui, tb não iria muito longe:
Um viajante que acordou de patas para o ar, transformado em barata. A irmão entrou no quarto....
Ou uma francesa - sucesso de vendas, best seller, não sei o nome - que descobre a emergência de mais um par de mamas. Estava a transformar-se em porca. Vagueia, à noite, pelos esgotos de Paris, uma Quasimodo subterrânea.

Baal
grato pela leitura que transforma a estória ingénua, inócua, em panfleto revolucionário.
foi à sorte, juro
Um abraço pela descoberta

Oestrímnia disse...

É preciso libertar-nos do sentido, invenção triste.

baal disse...

vai andanda(o), mana(o)

Anónimo disse...

Baal, sabes quem é Oestrímnia? É uma miúda muito gira... um dia vais conhecê-la.