O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 6 de abril de 2009

Disparos de uma máquina fotográfica

Um semblante melancólico pela partida dos amigos;
um mar de gente a acenar a despedida;
o quartel
a casa que, apesar de tudo, fora o lar daquele tempo;
o rio sem o garrido das capulanas
das mulheres que faziam a barrela
o rio
sem o chilreio vivo e alegre da pequenada
que nele se banhava
o rio parecia carpir um pranto dolente e triste
junto do canavial emudecido
e sem alma para lhe fazer coro.
No entanto, a manhã uma manhã de encanto
a manhã revestia-se de uma formosura diáfana.
Recordei Camões:
“Aquela triste e leda madrugada...”
Invadia-me uma nostalgia profunda
que me impedia de ser totalmente feliz
naquele instante.
Naquele instante, sabia que ficavam ali
muitos pedaços de mim.
Já o último olhar:
o rio...
o rio era já só uma pequena franja
em jeito de espelho cada vez mais baço.

Manuel Maria
Metamorfoses
in Farol das Letras, 2006

2 comentários:

Cadinho RoCo disse...

No rio o fluir da poesia.
Cadinho RoCo

Roncesvales disse...

As verdadeiras fotos, fiéis ao real, são aquelas que se apagam. O resto é mera arte.