No princípio Elohim criou o céu e a terra. E a terra era deserta e vazia, e o espírito de Elohim esvoaçava sobre as águas. Nesse tempo, Deus repousava a sós consigo próprio. Deus tinha, na altura, um estranho nome: Abismo. Este nome não significa que ele fosse uma cavidade abrupta, ou a vasta extensão dos oceanos primordiais. Significa que era superior a todas as qualidades humanas. Abismo ignorava, igualmente, as qualidades que é costume atribuir a Deus: ciência, sabedoria e verdade. Não era o Todo, não era o Uno, não era o Bem, nem o Pai, nem o Senhor. Quem era, então, esse Deus indizível e incompreensível, acerca do qual não se podia afirmar nem negar nada? Talvez seja possível arriscar que Abismo era o imenso Nada, o ilimitado Não-Ser que contém em si a possibilidade de todos os nomes que existem. É-nos dito no mito que junto a Abismo repousava uma entidade feminina: Silêncio. Silêncio foi concebida na negação de todo o espaço e na negação de toda a linguagem. Abismo e Silêncio fundiam-se e anulavam-se numa perfeita unidade andrógina. No fim, a pureza absoluta deste par foi violada. Abismo depôs uma semente em Silêncio, surgindo, deste modo, um acto de criação no coração do Não-Ser. Silêncio ficou grávida e gerou Intelecto, em tudo semelhante a Abismo e Silêncio. No entanto, enquanto Abismo e Silêncio se mantiveram na obscuridade e na incompreensibilidade, Intelecto habitou a luz clara do ser, do conhecimento e da palavra.
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6 comentários:
"Às vezes eu mesmo, que devera ser um alto iniciado, pergunto ao que em mim é de além de Deus se estes deuses todos e todos estes astros não serão mais que sonos de si mesmos, grandes esquecimentos do abismo"
- [fala do Diabo] Fernando Pessoa, "A Hora do Diabo", p.26.
Cansado de ser apenas deus
perguntei os segredos do mundo
à minha esposa Frigga.
Ela no seu infinito Amor
não quiz me poupar à dor.
Por sua ordem me enforquei
e na Árvore da Vida meditei.
Em nove dias descobri
os segredos das runas
e decidi
honrar dignamente a descoberta.
Olhei para o fundo do poço
onde deixei
meu olho direito e o tranformei
em boca escarninha que me lembrará
por toda a Eternidade que algo haverá
para além de tudo aquilo que aprendi e imaginei.
Descobri assim a humildade
que me transporta além do que é ser deus
transformando-me em sonho, em mito, em desejo humano
em toda e qualquer idade.
Por maior ainda do que ser deus,
ou ser a teta que o mundo amamenta,
é enfrentar com coragem o turbilhão
que a tudo revolve, a tudo o que se julga existir arrebenta.
Odin, quão gratas são essas palavras!
E bem vinda, Cláudia, com a funda sabedoria do grande Abismo e do grande Silêncio!
Será o Abismo Deus e criador? Duvido abissalmente.
Abismo da expectativa
A expectativa assume-se como forma de assentar definitivamente todos objectivos num corpo, que é futuro.
Viver o tempo que nos resta com a cabeça focada e alinhada para essa distância, viver de acordo com a projecção sem sabermos o que daí poderá advir, viver para o futuro sem sabermos o que fazer com o presente, viver uma tranqulidade de tempos tão díspares fundindo-os em um só tempo, tudo isto é expectativa.
Se a mesma expectativa sobre algo físico ou imaginário é largamente vivenciada, ultrapassando todos os limites de tudo o que se pensa ser provável, o Homem começa a fantasiar, alinhando a sua vida de acordo com a indicação magnética de que tudo aí será meta, ou resultado final compreensível. Deste alinhamento resultam frequentemente a angústia, a ansiedade, o Homem insone, a viagem alada no dorso de Pégaso e o que cada vez se afirma como regresso à realidade, à vivência e exitência de um eu, à queda do cavalo.
Todos morrem à espera... de viver. E assim renascem... à espera de morrer.
Sei do que falo. Ando nisto há muito tempo. Desde o sem tempo.
Andamos todos.
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