sábado, 11 de abril de 2009
Esfera Armilar - Somos senhores de nós mesmos?
Gostamos de nos julgar senhores de nós mesmos, o que só acontece quando não reflectimos sobre isso e, sobretudo, quando não o tentamos efectivamente ser. A aparente capacidade de escolha e decisão a respeito das acções relativas aos outros e ao mundo exterior, ilude-nos quanto à efectiva soberania e independência com que nos comportamos. Com efeito, quem poderá dizer que o modo como pensa, sente e age é independente de inumeráveis causas e condições, desde factores psicofisiológicos a sociais, económicos e culturais?
Por outro lado, quem não teve, ainda que raramente, a experiência da liberdade, a experiência de não reagir imediata e passivamente, movido por impulsos, hábitos e mecanismos inconscientes, a um estímulo exterior ou interior e usufruir desse espaço para uma tomada de consciência mais profunda da situação e para uma decisão acerca do melhor a fazer, em termos de acção ou abstenção? A permanência nesse espaço de não re-acção, pelo esforço interior que implica, revela-se então uma verdadeira acção, mais difícil, condição de todo o agir externo mais consciente e livre, mais independente de factores condicionantes, externos e internos.
Há uma experiência simples que demonstra imediatamente o grau em que somos ou não senhores de nós mesmos. Trata-se de tentar focar a atenção numa dada percepção, exterior ou interior, e de aí a manter, estável e clara, durante o tempo que desejarmos. Podemos usar um objecto exterior, uma parte do corpo, a respiração, o curso dos nossos próprios pensamentos e emoções ou aquilo mesmo que estamos a fazer, como andar ou conduzir. Se tentarmos repousar a atenção em qualquer um desses objectos, observando-o e sentindo-o silenciosamente, sem comentários, veremos quão difícil é manter a concentração um segundo que seja, sem que ela imediatamente se obscureça e disperse, arrastada por mil e uma outras percepções, pensamentos, emoções, memórias e projectos. Quando isso acontece, tentemos estar conscientes disso e fazer regressar a atenção ao seu foco. Veremos que de novo nos foge e perceberemos, pelo menos, que isso a que chamamos “nós mesmos”, o centro interno da percepção de nós e do mundo, o chamado “eu”, não é tão dono de si quanto estamos habituados a supor. O que não deixa de ser incómodo. Se persistirmos contudo na experiência, treinando regularmente a atenção para permanecer estável e firme no objecto em que se foca, veremos que gradualmente ela desenvolve essa capacidade, diminuindo a sua agitação, com todos os benefícios psicofisiológicos daí decorrentes.
Se fizermos honestamente esta experiência e reflectirmos sobre ela, não podemos deixar de reconhecer as suas fundas e graves implicações, a todos os níveis. Parece que toda a nossa cultura e civilização assenta na suposição de que somos sujeitos plenamente conscientes e livres, responsáveis pelo que pensamos, dizemos e fazemos. Esta experiência mostra que não o somos, embora o possamos ser, se nos treinarmos para isso, o que nos torna responsáveis por não o sermos plenamente.
Enquanto não formos senhores de nós mesmos, ou seja, conscientes do que se passa dentro de nós e soberanos da orientação a dar à nossa mente e à nossa vida, vivendo à mercê da flutuação de estados mentais e emocionais compulsivos e reactivos, dificilmente seremos outra coisa do que marionetas agitadas pelos seus poderosíssimos fios invisíveis. Enquanto o formos, somos o ingénuo e frágil joguete de todas as forças mais obscuras que lutam pelo domínio do mundo: humanas e não humanas, religiosas, culturais, políticas e económicas. Enquanto o formos mais não seremos do que escravos agrilhoados à convicção de sermos livres.
O auto-conhecimento e o treino da atenção são a condição indispensável de um exercício consciente da cidadania e de uma acção benéfica no mundo exterior.
Por outro lado, quem não teve, ainda que raramente, a experiência da liberdade, a experiência de não reagir imediata e passivamente, movido por impulsos, hábitos e mecanismos inconscientes, a um estímulo exterior ou interior e usufruir desse espaço para uma tomada de consciência mais profunda da situação e para uma decisão acerca do melhor a fazer, em termos de acção ou abstenção? A permanência nesse espaço de não re-acção, pelo esforço interior que implica, revela-se então uma verdadeira acção, mais difícil, condição de todo o agir externo mais consciente e livre, mais independente de factores condicionantes, externos e internos.
Há uma experiência simples que demonstra imediatamente o grau em que somos ou não senhores de nós mesmos. Trata-se de tentar focar a atenção numa dada percepção, exterior ou interior, e de aí a manter, estável e clara, durante o tempo que desejarmos. Podemos usar um objecto exterior, uma parte do corpo, a respiração, o curso dos nossos próprios pensamentos e emoções ou aquilo mesmo que estamos a fazer, como andar ou conduzir. Se tentarmos repousar a atenção em qualquer um desses objectos, observando-o e sentindo-o silenciosamente, sem comentários, veremos quão difícil é manter a concentração um segundo que seja, sem que ela imediatamente se obscureça e disperse, arrastada por mil e uma outras percepções, pensamentos, emoções, memórias e projectos. Quando isso acontece, tentemos estar conscientes disso e fazer regressar a atenção ao seu foco. Veremos que de novo nos foge e perceberemos, pelo menos, que isso a que chamamos “nós mesmos”, o centro interno da percepção de nós e do mundo, o chamado “eu”, não é tão dono de si quanto estamos habituados a supor. O que não deixa de ser incómodo. Se persistirmos contudo na experiência, treinando regularmente a atenção para permanecer estável e firme no objecto em que se foca, veremos que gradualmente ela desenvolve essa capacidade, diminuindo a sua agitação, com todos os benefícios psicofisiológicos daí decorrentes.
Se fizermos honestamente esta experiência e reflectirmos sobre ela, não podemos deixar de reconhecer as suas fundas e graves implicações, a todos os níveis. Parece que toda a nossa cultura e civilização assenta na suposição de que somos sujeitos plenamente conscientes e livres, responsáveis pelo que pensamos, dizemos e fazemos. Esta experiência mostra que não o somos, embora o possamos ser, se nos treinarmos para isso, o que nos torna responsáveis por não o sermos plenamente.
Enquanto não formos senhores de nós mesmos, ou seja, conscientes do que se passa dentro de nós e soberanos da orientação a dar à nossa mente e à nossa vida, vivendo à mercê da flutuação de estados mentais e emocionais compulsivos e reactivos, dificilmente seremos outra coisa do que marionetas agitadas pelos seus poderosíssimos fios invisíveis. Enquanto o formos, somos o ingénuo e frágil joguete de todas as forças mais obscuras que lutam pelo domínio do mundo: humanas e não humanas, religiosas, culturais, políticas e económicas. Enquanto o formos mais não seremos do que escravos agrilhoados à convicção de sermos livres.
O auto-conhecimento e o treino da atenção são a condição indispensável de um exercício consciente da cidadania e de uma acção benéfica no mundo exterior.
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9 comentários:
Não te canses. Ninguém quer ser livre.
Sim, preferimos escrever em blogs.
O que é essa atenção que se foca?
O mais importante nunca é muito extraordinário. Talvez por isso ninguém queira ser livre.
A interrogação leva a alguma parte?Esta tua mania Interrogativo, de fazeres do ocaso uma experiência técnica cheia de pontos de interrogação e virgulas!
Fedra
Que ocaso?
não somos senhores de nós e por isso aspiramos a ser senhores de tudo
Caro Paulo,
Se é verdade que a maior parte não quer ser livre, alguns querem. Mas livres de quê? Livres para quê? Não precisa de responder. A minha dúvida é se "sermos senhores de nós mesmos" será assim tão importante. Antes "não termos senhor algum", nem "sermos senhor algum", nem de nós mesmos. Não há caminhos, mas o que apresenta é um caminho. Apenas isso. Um de muitos. Melhor dizendo... um instrumento de navegação. Como passámos pela Páscoa e citou há pouco tempo o Evangelho de Filipe (também não concorda, se calhar), cito agora o de Tomé, também de Nag Hammadi: "Lancei fogo ao mundo e eis que estou a guardá-lo até que arda."
Cara Madalena, ser senhor de si mesmo não é a verdade nem o fim último, mas apenas um passo nesse sentido, necessário para quem o não é julgando sê-lo e necessário também, creio, para quem aspire a não ter ou ser senhor algum.
Não há caminhos em absoluto, mas há-os relativamente. Relativamente às ilusões que precisamos de dissipar.
É difícil concordar com tudo o que cito, mas também acontece concordar bastante.
Gosto muito dessa citação do Evangelho de Tomé.
que oportuna é para mim esta reflexão.
não quero é ficar-me pela reflexão
(que me tem acompanhado antes de a ter lido) sem mexer palha.
ficarei? ficaremos?
pois, as interrogações revelam já que sim, não é? ou é?
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