O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 14 de abril de 2009

Esfera Armilar - Natureza da mente, cultura, aristocracia igualitária

Se examinarmos com sinceridade o que é isso a que chamamos “mente”, “alma” ou “espírito”, e que nos habituámos a designar como “eu”, questionando e suspendendo a sua irreflectida e compulsiva identificação com os múltiplos fenómenos mentais e físicos - pensamentos, imagens, emoções, sensações - , poderemos chegar à conclusão de ser inapreensível como algo, no sentido de uma entidade, com características definidas, que a distingam de outras entidades. Nesse sentido escreveu Fernando Pessoa: “O abismo é o muro que tenho. / Ser eu não tem um tamanho”. Ou ainda: “Conhece alguém os limites à sua alma, para poder dizer: eu sou eu?”. A “mente” parece designar assim uma abertura sem contornos, forma ou figura, irredutível a todas as representações, ao mesmo tempo que lhe são inerentes duas qualidades: a consciência, pela qual percepciona claramente todos os fenómenos, externos e internos, e a sensibilidade, pela qual se revela capaz de uma plena empatia com o mundo e os seres, disponibilizando-se para agir em prol das suas necessidades e do seu bem.

Esta natureza profunda e primordial da mente é porventura a mesma em todos os homens e seres, para além das suas transitórias e cambiantes condições psicossomáticas. No que respeita aos homens, ela transcende todas as suas diferenças étnicas, culturais, linguísticas, nacionais e de condição social, dotando-os de um mesmo potencial de conhecimento sensível, amoroso e compassivo, de si e do mundo, que pode, e por isso deve, ser plenamente desenvolvido, coincidindo aliás esse pleno desenvolvimento com a aspiração comum ao que se chama “felicidade”.

A verdadeira cultura, inconfundível com erudição, é a do pleno conhecimento e desenvolvimento de todas as potencialidades da mente, ou seja, a plena realização de si, o que só pode ser realizado por indivíduos e nunca por grupos, colectividades ou nações. É para esse objectivo que se devem orientar a civilização e as nações e é para esse objectivo que se devem mobilizar todos os recursos científicos, tecnológicos, sociais, políticos e económicos. É para esse objectivo que se deve assegurar a satisfação das necessidades elementares de todos os homens, exortando-os a que ponham isso ao serviço do pleno conhecimento e desenvolvimento de si.

O estado actual do mundo expressa a profunda incultura geral dos homens, no sentido de cultura atrás definido, desde os que detêm o poder religioso, cultural, político e económico, até aos que aspiram a detê-lo e à massa global da humanidade. O estado actual do mundo é por isso o de uma crescente insatisfação e infelicidade. A busca de uma alternativa torna-se mais premente. Tornar-se desde já essa alternativa, mediante o conhecimento aprofundado de si e o pôr-se ao serviço da sua promoção em todos, é a tarefa dos homens mais conscientes e sensíveis em cada povo, nação e cultura. São eles que, mesmo sem se conhecerem e sem pensarem nisso, são o germe de um mundo outro. Por gosto do paradoxo, ou seja, por amor à verdade, chamo-lhes aristocracia igualitária, pois são os mais excelentes na mesma medida em que aspiram a que todos o sejam, sem jamais como tal se considerarem. A tudo nivelam, por cima, a tudo elevam, acima de si, sem jamais se acharem especiais.

Disseminados por todas as nações, culturas, religiões, irreligiões, organizações humanitárias, políticas e económicas, importa que se conheçam, unam e delineiem estratégias para que o destino do mundo mude. Eles são as armilas da grande Esfera.

5 comentários:

Anónimo disse...

Palavras que revelam amor. Que revelam vivência da experiência meditativa.

Aristocratas do subtil.

Ser lúcidamente o amor.

Tanto a fazer!

leda disse...

um lobby do bem, uma multinacional da libertação

Anónimo disse...

só com uma invasão de extraterrestres

Outro disse...

A natureza da mente basta. O resto é ainda a sombra de Agostinho da Silva.

Mesmo disse...

Nada basta. Tudo sobra. Tudo falta.