O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

"Quando fores velha" - Yeats (a uma amiga de alma grisalha e alegre encanto)



Quando fores velha

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;
Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

William Butler Yeats (1865-1939)
(Tradução de José Agostinho Baptista)


(Em aceno a uma Amiga, que o sabe, sabe o “alegre encanto” destes versos e sabe ser "grisalha" antes mesmo de sê-lo, aqui deixo este amado Yeats, “escondendo o rosto numa imensidão de estrelas”.
Sempre presente, na lareira do ser...)

7 comentários:

guvidu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
guvidu disse...

Caro Lapdrey, fiquei primeiramente maravilhada com a imagem e vai desculpar-me, mas vou gravá-la para mim. :)

Quanto ao poema, é sublime pela profundidade,e doçura, que dele emanam...Tocou-me especialmente este excerto: "Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas."

Não tenho a sua eloquência para o comentar nem vou procurar citações de outros autores para o fazer. É que quando contemplo algo assim, interiorizo-o, em agradecimento, de existência e inspiração.

Obrigada por esta partilha.

Um bem-haja!

Namastê

Anónimo disse...

O vento torna grisalho o cabelo de quem não tem o tempo a esbranqiçá-lo. Torna-o branco a memória. Esse leito de leite de que a alma da Infância sempre saudosa se embebe.

Uma alma peregrina, Lapdrey, é uma alma vagando nas encostas e nos cumes das montanhas, dançando com as estrelas as melodias do mundo antes da Palavra. Só assim pode uma alma tentar reconhecer, nas paisagens de silêncio e alvura, nas manhãs do não-mundo, o rosto amado e o rosto de Deus. Expressão pura que rasga no coração as visões do Belo.

Não preciso dizer mais para saber quem agradece e muito em tudo o reconhece. Porque também muito gosto do António Machado.

Luiz Pires dos Reys disse...

Cara Fragmentus,

As suas palavras são, em si mesmas, o melhor comentário que Yeats pode ter: ser ele amado em "lê-lo devagar", junto à lareira do ser, com "o doce olhar" fixado ali mesmo onde as palavras sublimes do grande poeta a levaram, cara amiga: ao interior de si, "em agradecimento, de existência e inspiração"...

Abraço reverente, na comunhão de tais coisas.

Luiz Pires dos Reys disse...

Caminhamos porventura para uma mais plenamente verdadeira infância, cara amiga grisalha, sempre que essa anamnese do eterno sem tempo, no tempo em nós, branqueia o olhar com que nos olham os olhos com que olhamos o que não pode ser visto.

E, porém, isso que não pode ser visto é tão ou mais branco que o leite, e é repouso mais doce que o mais repousante dos leitos.

Tal silêncio e brancura só pode vir de quem o sabe, ... e de quem sei... Aceno.

(Rilke, hoje, sorri em seu "sono de ninguém sob tantas pálpebras"...)

Anónimo disse...

Obrigada pelo poema! Mas a expressão amiga de alma, tocou-me!

Um dia perguntaram-me:
- Ele é mesmo um amigo do peito?
Eu respondi:
- Não, é um amigo de alma!
Pois são estes que permanecem em nós, em cujas rugas, pensamentos e sangue habitaremos sempre. Aqueles que, desgraçada ou felizmente, pensaremos nós que somos os únicos a amá-los.
Ilusões pueris, apenas.

Anónimo disse...

Retomo a observação já aqui atrás por alguém feita, sobre a não identificação das imagens, como se fossem mero adorno das palavras...