O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Uma "carta de Amor" (não-ridícula)




"Looking For Your Face"

From the beginning of my life
I have been looking for your face
but today I have seen it.

Today I have seen
the charm, the beauty,
the unfathomable grace
of the face
that I was looking for.

Today I have found you
and those who laughed
and scorned me yesterday
are sorry that they were not looking
as I did.

I am bewildered by the magnificence
of your beauty
and wish to see you with a hundred eyes.

My heart has burned with passion
and has searched forever
for this wondrous beauty
that I now behold.

I am ashamed
to call this love human
and afraid of God
to call it divine.

Your fragrant breath
like the morning breeze
has come to the stillness of the garden
You have breathed new life into me
I have become your sunshine
and also your shadow.

My soul is screaming in ecstasy
Every fiber of my being
is in love with you

Your effulgence
has lit a fire in my heart
and you have made radiant
for me
the earth and sky.

My arrow of love
has arrived at the target
I am in the house of mercy
and my heart
is a place of prayer.

Rumi (1207–1273)

11 comentários:

Anónimo disse...

Não vale fazer batota, Lapdrey!
"Isso" não é uma "Carta de Amor" é um canto de Amor, é uma Oração que "mata" quem a ouve, no mesmo momento em que lhe dá Vida e a Desperta...

Conta-se que Sólon, ao ouvir recitar uns versos em louvor a Safo, terá pedido para que lhos repetissem e ensinassem. Ao perguntarem-lhe os motivos disso terá dito: "Quero aprendê-los, e depois morrer!"

PS. Evidentemente que continuo a achar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Não sou Deus, posso querer sê-lo, porque ele está em mim, mas o que me fala é Mudo, só a mim me fala como me fala.

Se eu recebesse um daqueles bilhetinhos ou "cartas de amor" verdadeiramente ridículas, saberia que a mim eram dirigidas as palavras - mesmo que elogiosas e imerecidas - que não a Deus, que em todos acende a Luz que florirá diversamente em cada um de nós.

É o que posso dizer em minha defesa!

Um abraço, Lapdrey

Grande, Grande, Grande Rumi!

Anónimo disse...

E digo-lhe mais, meu bom amigo, que hoje estou inspirada:

Nenhuma mulher dirá ao seu
Homem que ele é Deus ou que o ama como a Deus. Mas se lhe falar de Amor, se lhe disser que o ama, é como se Deus nascesse no seu coração.

Se o Homem não disser à Mulher que a ama, é como se Deus morrese no seu coração, e se Deus parece morrer, o que dizer do homem...

É isso que penso que seja raíz e fruto, sem dispensar a sombra das folhas.

Grata por ter trazido tamanho poema que nunca vou decorar, porque nunca vou "morrer".

Agora, um sorriso de gratidão.

Luiz Pires dos Reys disse...

Uma carta tem um remetente - esta tem: Rumi e quem a lê ou escuta.

Tem um destinatário- esta tem:
Deus, o Divino, o Amado ou a Amada.

Tem um assunto que interessa ao destinatário- esta tem:
um derramamento super-abundante de Amor deslumbrado.

Tem uma necessidade de ser enviada- esta tem:
não é possível não ser dito o que é dito.

Tem algo que lhe serve de fio condutor- esta tem:
o Amor de deslumbramento que acende cada palavra e o silêncio entre elas.

Tem um serviço de envio e entrega ao domicílio - esta tem:
o hálito, sopro ou espírito humano que a entrega ao Grande Espírito...

Que mais tem de ter, Saudades, para que seja uma carta, e não um canto?...

Terá de ter selo? E tem: o selo do coração que em si a lê e escreve, e de si a envia...

Abraço "rumioso" (risos), Saudades!

Anónimo disse...

(Desculpem não li os comentários anteriores, não por desrespeito, mas por ir directa do que ouvi e li ao que que escrevo)

Não é uma carta. É uma oração, uma prece para que uma visão perdure, se arraste para a Linguagem. É a linguagem preenchida pela Presença. Uma "Presença Real". Uma oração, e como tal, a Linguagem não refere, nem fere a percepção, a sensação a devoção, a Linguagem absorve-as em anaologia e em metáfora. A voz entusiasma-se, com o que etimologicamente tal significa, e toca o que vem à Presença.
Se lhe chamar "carta" dir-lhe-ei, Lapdrey, que amo esta "carta". E escutar a sua repetição é gerar um movimento ontológico de enlevo e perdição, de remoção de todo o resquício de sedição humana.

(...)

Ah...deleite no (re)encontro metafísico! O único que captura a alma daqui. Olhada com os 100 olhos ou uma só vez, como no poema que se segue, outra "carta"?!




“Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos do teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.”

Yeats

Agora as lágrimas não são a litania, o canto isabelino, como lhe chama. Mas a pertença a um canto que atravessa as paisagens da alma e contorce o corpo da bailarina para outro jardim e outro Jardineiro.
Amén ao poema!
Oiço outra e outra vez...
A alma insone encontrou um poiso: numa voz dentro de um poema, uma visão.

rmf disse...

Sentámo-nos de frente para a luz que em ti iluminava os contornos do corpo... a tua dourada silhueta... a luz imensa que te escondia por entre os raios.

Deitámo-nos com a proximidade e tu dizias-me que finalmente descobriste a minha personagem; eu, abracei-te, ao longo deste luar real do meu sono.

De manhã, procurei-te entre os meus braços, mas já lá não estavas... fechei-os novamente e sonhei contigo pelos passos da casa.

Da minha ilusão, este vestido azul... que enrolo entre as mãos e cinjo no meu peito. Este azul de mudança que reclama uma nova forma de vida e de sonho...

Não sei como acabar, talvez agradecendo a partilha de palavras de todos aqueles que teimam em ver mais além... pois que aí me incluo; seja essa a cor que me pauta os pensamentos, seja essa também a minha piada.

Lapdrey, magnífico! (Tudo-tudo)
Um abraço companheiro, poeta... irmão! (algum dia tinha que retribuir, hoje, foi esse o dia)

PS - entretanto, vou ler os vossos comentários... a esgana de escrever foi mais forte que a leitura!:) Um sorriso para Saudades e Isabel.

Anónimo disse...

...Ouvida vezes sem conta, a Oração aqui oferecida!

Espero que não me levem a mal esta nota "recolha e escolha" de resposta que não é "ridícula" nem "não-ridícula", nem o contrário de ambas.
A "Resposta" que também não é resposta é de dois autores que amo: Ilda Hilst e Donis de Frol Guilhade.

Ao Amigo
de Hilda Hilst
 
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
 
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
 
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
 
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

[Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1]

BENVENUTA
De Donis de Frol Guilhade:


Deu-te à luz o mar,
não sei se o alto, se o profundo
(o mesmo não são)
mas sei que és um e o outro, no oceano de ti…

Brincaste em infante menina,
De olhos de amêndoa em flor,
pelos mil e um recantos de Lagos encantados
onde as sereias e nereides mais belas
te lançaram propícias
um olhar antiquíssimo e fatal:
como timbre e tormento de teu caminhar

Veio teu espírito da fantasia dos longes,
horizonte que avistaras antanho
no jardim sereno de tua alma em fruto
cavalgando nas vastidões verdejantes
do prado de teu corpo sempre em flor

Vens do longínquo futuro que hás e donde hás ser;
viandante esvoaçando pelos dias
que dir-se-ia quase te são leves,
sob a ventana brava de antigas tempestades maiores

És mar, és Maria, és maresia,
Mas és sobretudo a brisa mais bem vinda
Ao jardim matinal de cada peito
Em que se te entrecruzas o infindo Amar.

Bem vinda és onde bem queiras.
Vindo o bem de ti por ele vais
a quem te roça a alma, agraciado,
E te conhece o voar eterno e menino.


Donis de Frol Guilhade
(Na margem da maior viagem)

P.S.1 Já não sei onde os encontrei, aos poemas...Vieram ter comigo. Aqui ficam bem...

P.S.2 Quem me dera escrever assim, "cartas de amor" que são verdadeiros poemas!

Um sorriso à Isabel, ao Paulo (que veio da Holanda), ao Vergílio, à Madalena e a Lapdrey (Acho que é amigo de Donis...)

Só para dizer que "Metade de mim é Amor ("ridiculo"?) e a outra metade, também!

Um abraço a todos.

Anónimo disse...

Belíssimo!

rmf disse...

:)

Arriscaria dizer, porque a sorrir dialogamos: Uma boa parte de mim, é Amor, a outra metade é Água...

Uma boa noite para todos vós!
E um sorriso à despedida.

Luiz Pires dos Reys disse...

Poemas de ler, estes, que aqui traz sempre, Saudades!
(Ando para perguntar-lhe há que tempos, Saudades: a minha amiga é alguma coisa à Cesária Évora? Não inspirou aquilo de "Sôdad'", nem nada? Hum..!! Cá me parece!)

O poema de Hilda Hilst é um monumento fortíssimo e vibrante!

Quanto ao outro (quem é este bla bla bla barroco e bacoco?)... ó Saudades, o fulaninho não estaria "tocadinho" quando escreveu isto?
Humm? Cá me parece...! (risos!)

Uma saudação especial, pela inesperada visita de Maria do Céu, e faço coro no adjectivo.

Um enorme abraço ao Vergilio, que traz, que é sempre uma respiração inconfundível, e de benfazeja nortada para vassourar variegados bafios e naftalinas multicores!

(Urge que acabes esse poema que aqui iniciaste, Amigo!)


A Isabel,("last, but not the least!), não sabe o que me trouxe aqui: esse amado Yeats!

Se eu já sou em geral um leitor "lento", da Isabel sou por certo um leitor-caracol, mas nisso me muito comprazo, e ela o sabe, e o sente.

"Por isso", fala de coisas que me são sangue, como "visão (que) perdure, (e) se arraste para a Linguagem": é esse o lugar onde certo amigo poeta, que aqui foi inopinadamente trazido, ama ter a boca emudecida pelo espanto e o grito deslumbrado do olhar pregado.

E, alfim, dei comigo poisado no mesmo:
"numa voz dentro de um poema, uma visão".

Ah, Isabel, é "atroz" tamanha lucidez branca!
Gratia plena!

Luiz Pires dos Reys disse...

Saudades,
Donis, meio de "beicinho" descaído com os meus dislates, pediu-me, apesar disso, para deixar dito aqui que o verso
"Em que se te entrecruzas o infindo Amar" deve ler-se "Em que se te entrecruza o infindo Amar."

Está dito!

Anónimo disse...

Voltei aqui para te ouvir, Rumî!

Gratíssima, Lapdrey.