O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Bildnis eines Schattens / Retrato de uma Sombra

Os teus olhos, rasto de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
as tuas sobrancelhas, orla do caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campo de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, álamos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campo de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.

- Paul Celan (1920-1970), A Morte é uma Flor (Poemas do espólio), tradução, posfácio e notas de João Barrento, Lisboa, Cotovia, 1998, p.19.

11 comentários:

Anónimo disse...

Queixinha:já havia postado este poema neste blog!

Outra coisa:não faz mal nenhum tê-lo colocado de novo, pois é belíssimo, íssimo, íssimo.

Anónimo disse...

...de uma Sombra, Casto Severo...

Amei o poema. "A Morte é uma Flor"
Uma flor sem tempo...

Já disse que adorei o poema?


Saudades

Anónimo disse...

Desculpinha...

Anónimo disse...

Para isto ser real, só tirando tudo o que vem depois das vírgulas. Os poetas só sonham mulheres que não existem. Mal das que os escutam.

Anónimo disse...

A realidade existe fora da sua percepção!? Não me digas que és traumatizada ou discípula das banalidades do Caeiro...

Anónimo disse...

Porque é que eu tenho um rosto?

Laura disse...

Não diria que os poetas sonham mulheres que não existem. Diria é que os poetas expressam muito bem a paixão. Quando há paixão, é assim que se vê/sente o outro.

Anónimo disse...

Há tantas vidas que te busco no mundo! E tu aqui sempre, a morrer abraçada a mim!

Anónimo disse...

Banalidades do Caeiro?! Vê-se logo que és tudo menos portuguesa! Deves ser discípula das banalidades de um outro qualquer...

Anónimo disse...

Não se é portuguesa!? Agora o nacionalismo chegou a este blog? E sim, o Caeiro é uma seca: é bom para as mentes rasas.

Laura disse...

Anónimo, acho que tens um rosto, porque deves precisar dele. Talvez não aqui, mas noutro lado qualquer.

Se se referem a Alberto Caeiro, banal não. Simples não é banal. Simples é bom para as mentes rasas, mas também para as outras. Diria mesmo que melhor ainda para as outras...