O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Calbi arabi


Escrevi isto como recordação permanente
do meu sofrimento.
A minha mão perecerá um dia, mas a grandeza ficará.


Palavras do mestre arquitecto ou canteiro árabe gravadas em arábico junto da axila do transepto, lado leste, da Sé Velha de Coimbra.



Calbi arabi.



Canto do Deserto



O meu amor é do deserto, do perto,
Do distante. O meu amor é doce perfume
De laranjeiras e menta
O meu amor é de viajeiras vozes
É borboleta entre rosas
O meu amor é novo e sabe
A bago de romã, a riso
Seio, perfumes de hortelã, fresca ribeira
O meu Amor é:
Sol do meu Sol
Sorriso do meu sorriso
Palavra da minha palavra.



Amor de claro norte azul e morte
Amor lavado em águas de esquecimento
Alimentado a rosas e a jardins;
Deserto sobre fundo deserto
Rasgado de aves atravessando o tempo
Cruzadas aves em riscado céu
O meu amor é rosa de abrir
Flor de me Ser, flor do deserto
De torre de acenar e saudar
Ventos e paisagens em aceno;
Azuis perfumes e cantos.



Quem me acha em amor a dor do mar?
Quem visita o meu lume
E me não queima a asa que chegou:
Duas ditosas borboletas brancas
poisadas no ramo mais alto do limoeiro.
Rosas de chá para Isabel e Luíza
Toalha branca, de novo, para a hora
Em que saudamos nossos Amigos
Perfumes que sentimos na distância.



O meu Amor é um lugar, é um mudar
O meu Amor tem as cores de todas as coisas
Na lembrança; o meu Amor é vasto
De ponta a ponta do céu escreve uma palavra
Que as nuvens desfazem e desaparece no ar
O meu amor é peregrino, sobe ao imo de mim
Desde a terra o sinto subir
Como um cristal ao cimo da monhtanha
de mim, no Castelo de Lume em Luz
Clarão na minha cara, a tua alma!


Para todos os Sepentinos presentes e ausentes.

8 comentários:

Anónimo disse...

Np princípio do ser está o que existe.
No nomadismo do deserto as verdadeiras linhas.
Algo de des-velará no segredo das areias.
O fim do deserto está no princípio de nós.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Luiz Pires dos Reys disse...

Quando certa ausência de voz aqui se aperceber de que está a falar apenas para o ricochete de si próprio (quiçá já nem nisso sequer se vislumbra), compreenderá então quão terrível (tomara que não sem retrocesso) é o quedar-se em tal precipício destituído de abismo.

Na verdade, dele não há nem haverá saída - que nele (e dele aqui também) não houve entrada -, até que, nessa "nenhuma viagem", viático dessa noite escura de ser, parta realmente, isto é, chegue àquilo que é puro trânsito imóvel: sempre se parte do a que sempre se chega - entre algures e nenhures.

Não haverá, pois, doravante, de mim, com um tal, diálogo algum em palavra ...

Não é des-prezo, não é indiferência: é apenas "isso" que esse tal mesmo precisa...(e eu também....)

Luiz Pires dos Reys disse...

Que deserto tão povoado, doce Saudades!

Mas como povoado o era, também, de anjos e demónios, o deserto por onde deambulavam esses pais da oração hesicasta, pairando o seu sepultar daquele viver que, em divina loucura, haviam guerreiramente aceite como seu campo de batalha, precisamente mais presente por estar tão ausente...

Amor é, na verdade:
"Sol do meu Sol
Sorriso do meu sorriso
Palavra da minha palavra."

E não será isso terrivelmente mais ardente que o mais sufocante dos desertos?...

Gratíssimo, sempre, Saudades, pelo seu canto tão puro e despojado, como só o é o verdadeiro deserto: ali, onde "face-a-face", "presença" e "ausência" deixam de ter sentido, isto é, mostram-no nu e cru ...

Anónimo disse...

Assim é, Lapdrey,

Ouvir no deserto o bater do coração numa e mesma oração - a escuta, meu irmão é a leitura certa.

No silêncio deixar que o diga
ao espaço: O deserto resplande!


Um abraço

Laura disse...

Muito bonitos, estes seus Cantos, saudadesdofuturo. Plenos de intensidade, aromas, cor, sabores. Com uma imagética rica, mas destaco em particular o último verso, com uma força imensa.

Anónimo disse...

Que lindo!

Laura disse...

Voltei aqui para reler: "Clarão na minha cara, a tua alma". Lindo, lindo, lindo.