O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 9 de março de 2008

Orgia: via para a sabedoria ?

No Satiricon, de Caius Petronius Arbiter, escrito cerca de 60 d.C., narra-se um banquete, oferecido por Trimalquião, que termina em orgia em que os deleites venusiano-báquicos dão lugar a ditos filosófico-melancólicos: "Dies nihil est (O dia nada é)"; "Dum versas te, nox fit" (Mal nos voltamos, faz-se noite); "Voamos menos do que as moscas (muscae)"; "Não somos mais do que uma bolha de ar (bullae)", diz um dos participantes, suspirando.
Aqui se suspira algo de muito afim ao que atravessa tantas páginas literárias e sapienciais. Citemos, ao acaso:

“Que é a vida ? Um frenesim. / Que é a vida ? Uma ilusão, / Uma sombra, uma ficção, / e o maior bem é pequeno, / que toda a vida é sonho, / e os sonhos sonhos são” - Calderón de la Barca, La Vida es Sueño, II, XIX .
“Tu que existes exposto ao que os dias te trazem, o que é ser alguém ? O que é não ser ninguém ? O humano é o sonho de uma sombra (skiâs ónar anthrôpos)” - Píndaro, Odes Píticas, VIII.
“A vida não é senão uma sombra, / um pobre actor que se pavoneia e agita o seu momento sobre o palco / e depois não mais é ouvido: é um conto / narrado por um idiota, cheio de som e fúria, / que nada significa” - Shakespeare, Macbeth, Acto V, Cena 5.
“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade (hebel, vapor, sopro)”; “tudo é vaidade e correr atrás do vento !” - Eclesiastes, 1, 2 e 14.

Será a orgia uma via para a sabedoria ? Porventura. Depende. Mas, para quem o for, ao explodir como bola de sabão, não deixe de o oferecer para que todos assim também se libertem.

14 comentários:

Anónimo disse...

Só desta vez, só uma vez, ainda,
Colhe essas rosas de saudade.
Coloca na jarra os caules
de desiguais tamanhos
E dispõe, assim, de mim, em memória.

Uma folha aponta ao norte,
A mais pequena e frágil;
Para o sul vira a rosa vermelha,
A de sangue e de vida
A outra, branca e triste,
Atira-a para o mar
Onde Ofélia
Ainda deve andar perdida.

Que dessas rosas, tantas,
Que a jarra contém
Possa ficar a mais viçosa,
A rosa do amor,
A que nunca morre
E só em saudade se colhe.

Ana Margarida Esteves disse...

Belo poema, obscuro, ele mesmo uma orgia de desejo pelo infinito, pelo que nunca acaba porque nunca comeca.

Ana Margarida Esteves disse...

A rosa do A-mor, victoria sobre a morte, afirmacao da vida.

Anónimo disse...

Obrigado, Ana Margarida,
Compreendeste muito bem a raiz originária desse mesmo amor.

Um soriso:)
Muita ternura
E serenidade

Anónimo disse...

E a orgia, que dizem dela os amantes das rosas... e das palavras ?

Anónimo disse...

"Orgia" era o nome dado aos Mistérios gregos. No momento culminante dos Mistérios de Elêusis, na "epopteia" (a "visão omniabrangente"), mostravam-se símbolos dos órgãos sexuais e há quem pense que um sacerdote se unia sexualmente com uma sacerdotisa. Boa parte da linguagem religiosa do Ocidente vem do vocabulário sexual, como o estudou Odon Vallet. Por exemplo, "venerável" e "venerar" vem de "venéreo" e de "Vénus". Porquê ?

Anónimo disse...

Pois se venerou, vai ter de rezar...

Anónimo disse...

Não sei Casto Severo, mas explica lá... tu que percebes destas coisas

Anónimo disse...

É certo que os "amantes das rosas" não querem saber de ti... mas há outras rosas que te esperam...

Anónimo disse...

Que esperam a quem e onde ?

Anónimo disse...

Esperam por Casto Severo, aqui mesmo na Serpente ! Que nos fale dos "Mistérios gregos", de Vénus... da generosidade a da compaixão por todos (todos os seres, certo ?), no momento da explosão... "para que assim também se libertem" ...

Anónimo disse...

também estou interessada nestas questões...

P.S. Se alguém souber de Casto (Severo ou Sorridente) pedi-lhe que nos esclareça.

Anónimo disse...

Tanta gente interessada na "via para a sabedoria"! Porque será?
Óptimo. Hei-de passar por aqui outro dia. Adeus.

Anónimo disse...

Quem és tu Passageiro ?

Não ! Não me digas que és Ninguém !