O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 22 de março de 2008

Three Kinds of Souls, Three Prayers:

1) I am a bow in your hands, Lord. Draw me lest I rot.

2) Do not overdraw me, Lord. I shall break.

3) Overdraw me, Lord, and who cares if I break!

Nikos Kazantzakis, Report to Greco

12 comentários:

Anónimo disse...

Milenares, as noites,
Baixam sobre os dias
Os seus ombros nus
Cobertos pelo brilho, finíssimo, da lua
O arco das suas costas reflecte
O olhar branco da luz,
Arco-íris do sonho...
As suas asas, gastas de poeira estelar,
São o que de mais belo o universo viu.

Por isso, ó noite única, sempre antiga e nova,
Única e plural,
No universo plural e único!
Ó noite, colo de todas as preces,
Vem sentar-te junto da minha fogueira!
Vem aquecer as tuas asas húmidas de milhares de invernos;
Frias de gelos milenares,
Gastas de atravessar montanhas e ventos.
Vem, ó noite! junta-te ao fogo da minha imaginação…

Milenares, os teus gestos pausados,
As tuas lágrimas purificadas,
A tua longa cabeleira negra
Debruada de miríades de luzes;
Sublime o teu perdão,
Serena a tua face límpida.;
Por isso te entrego o lume das palavras
Para que o poema te finja
E te coroe, mãe
Da minha inquietação atenta.

Anónimo disse...

O dia, esfera de luz e sombra,
Afunda no mar as horas
Que foram reais para os olhos.

Os raios que pintam o céu
Espalham de luz dormente
A anunciada nostalgia da hora.

A noite, esfera de silêncio,
Derrama-se no vaso inverso…
Clepsidra de alma e chuva branca.

A música cai na água
Uma pedra pequena e redonda,
Atirada ao lago, acorda a rã

Assusta os pássaros,
Espalha asas
Nas quatro direcções do vento.

Pela luz branca da manhã
Alguém vai viajar…

Anónimo disse...

Que saudades do mar!
Desse gigante abismado e negro
Que engoliu o tempo,
Lambendo-o,
Como Cronos lambeu os filhos,
Antes de os devorar.

Nascemos, morremos e voltamos
A encontrar-nos.
Devora-nos o próprio Tempo,
Perdido no Mar:
Nascimento e Morte
Do eterno Mito.

Anónimo disse...

Que saudades do mar!
Desse gigante abismado e negro
Que engoliu o tempo,
Lambendo-o,
Como Cronos lambeu os filhos,
Antes de os devorar.

Nascemos, morremos e voltamos
A encontrar-nos.
Devora-nos o próprio Tempo,
Perdido no Mar:
Nascimento e Morte
Do eterno Mito.

Anónimo disse...

Equinócios terrestres


Abriram-se janelas
E deus, que é sol também, entrou nelas.
A luz, meio tonta, desse Inverno
Disparou sobre os muros,
E os ribeiros riram de suas margens;
Verdes campos, viram a janela de deus aberta
Como um grito na relva,
Um germinar de seiva
Na alma seca e estéril
Da árvore fria e nua do vento.

Que alegria a explodir
Pelos olhos adentro!
Esse calor da terra que desprende
O aroma dos frutos, pelos gomos
Dessa laranja redonda,
Dessa sede de rebolar na terra,
O ventre inchado;
A alma cheia de uma lua maior
Do que a celeste;
Um grito quente da terra!
Uma vida acabada de nascer!

Anónimo disse...

São vozes que se elevam numa cadência rara
Um pedido, um lamento, uma fé,
Uma súplica modelada na voz…

Uma pomba branca levanta as suas asas
E roça levemente o capuz do monge,
Não a seguem os olhos,

Mas o canto vai com ela na subida,
Move-se alto e veloz, no azul intenso da manhã.

E as vozes, seguras, seguem os passos,
Afastam-se na distância da terra
Mas é no céu que roçam suas súplicas,
Suas vestes castas…

Anónimo disse...

No canto sombrio da casa da alma
Mora uma presença mansa,
Como a de uma flor a crescer de suas raízes.
Todos os dias em que a noite sempre chega
Oiço essa flor a beber da memória
A sua seiva doce.

Acaso essa flor não dorme ainda?
Acaso o alimento desse lugar
É o seu sustento, e essa presença atenta,
A sua forma de ser, não é uma vez mais
A essência mesma
Do perfume eterno das rosas?

Sabemos que só o sol filtrado
Entra nesse lugar,
Nunca o sol directo, nunca a vida.
Porém as folhas estão verdes e os ramos altos
E o perfume é diferentemente o mesmo
A cada hora.

Afinal para que inventámos a memória
Se não foi para engolirmos o tempo?

Anónimo disse...

Se digo astro e lábio,
Se escrevo sal e mel,
É só para sorver o ar fino do dia,
A luz- prata da lua
A crescer sobre o azul;

O mar nítido e puro,
A pátria devolvida à memória,
A rota conhecida…
Se falo estas palavras
Sobra-me a noite e o dia

E o tempo é a voz,
Via-láctea do mar;
Mapa, rosa, cruz…
Emoção a florir,
No chão do estrume vivo.

luizaDunas disse...

Estas três orações juntas e em progressão, nesta altura Pascal, são um manancial extático.

Ana Margarida Esteves disse...

Que poemas magnificos, Alma do Obscuro! Obrigada por prestares tão sublime homenagem ao génio de Nikos Kazantzakis.

Especialmente essa tua menção conjunta à Rosa e à Cruz.

Luisa, tens toda a razão. Nikos foi dos escritores espiritualmente mais profundos do século XX.

Isabel Santiago disse...

Ai que alma mais luminosa a que o obscuro revelou...até senti a beleza do que esta escrito vestir-me a pele!

Anónimo disse...

Fico contente...Algumas das suas luminosas vibrações também produzem em mim um efeito extremamente benéfico e raro. Gosto de lê-las e relê-las...
Obrigado por esses momentos inspiradores e benfazejos.

Bom renascimento.