O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 13 de março de 2008

Lisboa por uma janela sem fim

Por uma janela,
um canto, um pedaço de Lisboa,
se mostra.

A varanda do São Carlos, as escadinhas ao fundo
O sol que me atravessa e me chama a levantar o rosto,
e a olhar os telhados, e as sombras,
as árvores, as cores, destas folhas que leio
e os carros que passam, e as pessoas que descem as escadas…

Ai. O céu, este céu,
e esta brisa. É Primavera!

Passa um eléctrico…

Respiro fundo.
Não há momento em que Lisboa vibre
que não vibre também Pessoa.
É uma Lisboa revisitada
em cada contemplação e pausa.
Os pássaros a comporem voos...

E mais um eléctrico que passa.

Tudo isto se passa sem o som do que vejo.
Apenas no silêncio do olhar
em que escuto Lisboa lá fora a bater aqui dentro.

Há um livro de Enrique Vila-Matas que eu nunca folheei,
a primeira vez que me apanhou numa livraria foi para lhe pegar de pronto e oferecê-lo. Paris nunca se acaba. Não sei se o lerei alguma vez. O título basta-me.

Acontece-me bastar-me muito pouco dos livros. Por exemplo, com Moby Dick de Hermann Melville. Há dez anos li o primeiro capítulo em inglês. Call me Ismael... Esta revelação na primeira pessoa foi maravilhosa, não sei dizer, mas ía desmaiando. O tom… o tom… há ai um tom que me encantou. Para além de outras coisas, nomeadamente, gostei muito da correspondência que faz da água com a meditação. Cada vez que peguei no livro para continuar a leitura, lia o primeiro capítulo. Fiz mais umas poucas tentativas na altura, e era sempre o primeiro capítulo. Foi um magnetismo inultrapassável. E nunca lerei aquele romance
.

Lisboa nunca se acaba.
Só acaba o que começa. É um facto.
E mais um eléctrico...

6 comentários:

Ana Margarida Esteves disse...

Há 500 anos atrás, Lisboa era uma grande Avenida da Ribeira das Naus. Agora é um grande aeroporto. Como o mundo é tentador, convidativo quanto visto de Lisboa ...

Como a América vista da aldeia de Alberto Caeiro ...

Paulo Borges disse...

Luísa, partilhamos a mesma paixão por Lisboa, que sinto como a mais bela cidade do mundo. Sinto tudo o que sobre ela escreveste. Lisboa é bela para além do dizível e encerra um enigma fundo e tremendo, que simultaneamente fere e gratifica.

Anónimo disse...

Ai, a luz de Lisboa a lamber o Tejo... luz única e tremendamente forte, que não é a do Norte nem a de África, lua apelo, luz viagem...
Um navio que parte da alma e se demora com as naus de ontem e de sempre... Os porões cheios de sonho que o rio insone leva e traz...

Onde as almas são naus
E o mar caminho...

Obrigado por trazeres Lisboa para ao pé de mim...

Ana Margarida Esteves disse...

Lisboa, narinas da Europa ...

Anónimo disse...

Belo poema, cheio de instantes e momentos.
O poema surge de uma frase, de uma piscadela, de um simples estar. Chama-me Ismael!, e tudo surge a partir de aí.

Bom fim de semana

luizaDunas disse...

A vossa vinda e partilha inundou-me de azul o Tejo,
que e.moção…