O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 22 de março de 2008

Uma Bailarina e um Compositor para Celebrar a Primavera


(12 variações de um pensamento que se desfragmenta da solidez do Inverno)

1. A bailarina cega dança Messiaen ou Messiaen, quando compõe, dança como uma bailarina cega.
2. A bailarina cega deseja ser pássaro e tem braços-asas.
3. As asas da bailarina cega são de um pássaro de Março que ainda não foi encontrado.
4. Os pássaros de Março fogem da cauda do piano. Os pássaros de Março desenham nuvens em forma de violino no azul do céu. O nome dos pássaros de Março não existe. Os pássaros de Março não têm (não deveriam ter) nome em nenhuma taxinomia de nenhum ornitólogo.
5. Os pássaros desenhistas, desenhadores, são pássaros por encontrar, inesperados, apesar das horas de espera de Messiaen e do Paulo Feitais.
6. A bailarina cega é um pássaro e ficou cega de escutar tanta música. Uma vez que aprendeu a escutar prescindiu de ver. A bailarina cega não desespera, espera.
7. Messiaen escuta os pássaros e a bailarina cega. Ela sabe cantar de olhos fechados.
8. A bailarina cega canta uma melodia de pássaro. Há pássaros que imitam o livro escrito pela bailarina cega.
9. O livro da bailarina cega não está escrito com signos, mas com lágrimas.
10. As lágrimas da bailarina cega têm a luz de Lisboa que a Luiza sabe escrever.
11. Nem os pássaros de Messiaen perguntam nem a bailarina cega responde. Tudo o que não pergunta e não responde, toca. Toca-nos.
12. A bailarina cega não tem boca. Ela oculta um bico e os dedos são teclas O seu corpo é um piano, veste-se de caudas e toca no fundo insondável de nós. Não procura o sentido. Perde-o. É por isso que canta na luz.
Ressurreição: Se fosse pássaro escolheria a luz de Lisboa da Luiza para me aproximar dos Homens e se fosse a bailarina cega pediria ao Paulo para recriar o som do canto da mulher pássaro e de asas com violinos no inexistente “oitavo livro dos pássaros”. Será que os pássaros choram?

Nota: São as variações que consegui para agradecer a luz, as flores e as frases com que trouxeram a Primavera a esta página e ao Livro por escrever da minha ressurreição do Inverno. E, também, todos os bons votos de Páscoa por muitos aqui deixados com o som da sua Sagração da Primavera. A todos o meu agradecimento.







3 comentários:

Paulo Feitais disse...

Bem, é assim: (vou tratar-te por tu que, no fundo, é a outra face do "mim") tenho um amigo cego. Falamos muito sobre a vida, sobre a crueldade com que são tratadas as pessoas na nossa sociedade, as pessoas em geral e, de forma mais arrepiante, as pessoas portadoras de deficiência.
Daí a bailarina cega do teu texto fazer parte dum diálogo-monólogo mais antigo. Há dias dizia a esse meu amigo que eu tinha despertado para uma dimensão da vida que me permitiria enfrentar uma possível cegueira entregando-me da alma e coração à música (como ouvinte, porque as minhas mãos são cegas).
A coisa é tão profunda que esse meu amigo já me acompanhou quando eu me dedicava à fotografia. A próxima foto que vou postar "aconteceu-me" num desses passeios.
Já agora, o António, assim se chama esse visionário, sofre duma cegueira progressiva. Ora mesmo antes de mergulhar na escuridão quase total comprou uma câmara fotográfica digital, não por não aceitar a sua cegueira, mas porque ama a luz.
Ora quem ama a luz, quem tem um espírito lusíada, dá a ver, mesmo sem querer ou sem saber.
É o que alcanças neste texto, límpido, cristalino (como os sons mais preclaros de Messiaen), primaveril... :)

luizaDunas disse...

Isabel, trouxeste mais um pouco da bailarina, e muito do teu ritmo e alegria. Pus-me a olhar para ela e acho espantosas as suas vestes que a desnudam. Quem dança (certas danças) fala muito de si, no gesto, no movimento, como as palavras falam de quem as escreve (se nelas se inscreve), no gesto, no movimento. Neste momento tenho o Quixote sem a lança a olhar o Pensador, apanhei-os a confidenciar (são duas estatuetas que tenho aqui, nessa posição)

Paulo, o que falaste sobre a música…

… ontem tirei da estante o “ Música e Pensamento” de Fidelino de Figueiredo. É um livro com 4 ensaios de um ouvinte da Grande Música, e um apêndice sobre a “Ordem dos Mateiros” de Antero de Quental. Conheces este livro? Eu não o li todo, vou lendo umas páginas aqui e ali à medida do contexto psíquico em que me vou deslocando, e creio que irias gostar muito de lê-lo.

Fiquei com vontade de ouvir o compositor de que falaram: Messiaen. Irei encontrá-lo.

"kaby" disse...

Boa tarde.

Gostava de pedir a vossa atençao, a uma devota homenagem á alma tão calorosa e sublime,da eterna amiga Isabel Santiago,alma essa que ja tive o privilégio de sentir um breve aroma do seu melodioso tom e entender a virtude do verdadeiro BELO.

(vou directa ao assunto)...

Escrevi um poema embriagada no caos da sabedoria,alias como I.santiago me faz recordar o sentido de ser embriagada da vida.
(Já agora Isabel; È embriagada da vida ou de vida?), :)
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VENDEDORA DE SONHOS

Ardósia tua,vendedora de sonhos.
Sonhos do philos e de sophia,
que habitam em nossos silêncios.
Submersas no paralelo,ocultavamos palavras nuas de Poesia,que materializam as sombras e davam existência ao nada,como diria (Edmund Burke).
Lembro de sentir convulsões desse olhar,no livro e na chave que me deste.E tu lembras a réstia do impulso desorganizado,que descose os fios de um sonho?
Um sonho onde se sente o sabor de saber,nos lábios desidratados de insatisfaçao.
Quase pensei ter estado naquele deserto,onde a árvore com raizes de lágrimas me chamava e dizia:
-Pensa!Mostra-me a tua existência e a saudade.

Desapareci por momentos e
tu observavas-me na tela,de fundo azul onde me perdi.Onde mil comparações fizeste brilhar e ver o jardim pela janela, estilhaçando um rasgo no espelho do céu.
Gostei de viver um pouco esse rasgo
do teu mundo,oucupado,trabalhoso que me deixou quase sem folego;mesmo na dificuldade que tive a aprender a voar,nunca me deixaste cair.
Também nao me seguraste para facilitar e agradeço, que só tenhas afinal desenhado estas pequenas agora gigantes asas em mim.
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Esse Anjo do pensar,de harpa na mão,compõe questões melódicas,suaves como cada corda define cada emoção,ao suave toque com as notas da sua música a cega bailarina dançava e dançava,como se fosse a última vez.
Sem sentir os pés no chão,viu que já se encontrava no topo da escada transcendente e não teve medo,ao som da tua melodia nunca trepidou.
A vista lá do alto é fabulosa,cá em baixo o denso bosque da realidade fitava-a ao longe,pronto para devorar outra vez a alma cega.
A bailarina determinada a econtrar a sua liberdade,cerrou os punhos e começou a cantar e cantava para as estrelas.
o Anjo emocionado,quebrou um pouco a névoa,o véu da sua ignorância e deu-lhe o dom de ver mais além..
Mais além do questionar.
Mais além do pensar.
Mais além das palavras.
Mais além do teu sorriso,
mais além de mim...mais além...


Obrigada!
(espero que seja feliz quando transmite o que sabe e aprende o que ensina, fazendo os outros sentirem se bem.Espero que tenha gostado deste impulso,e que guarde para sempre estas linhas,lembrando que são para si em honra de mim e das pessoas que tanto inspira!A sua leitura faz explodir,se me percebe...)


voçê é eternamente e virtuosamente inesquecivel de uma forma positivíssima.

Ana F.M.Cavaco