O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 18 de março de 2008

O vazio

Aqui vai um texto do livro "Conselhos espirituais do Dalai Lama", da editora Verus, pp.54-6, na minha - e porventura nossa - tentativa de melhor perceber o conceito de Vazio, acariciado não só pelo Budismo mas penso que também pelo Taoísmo ou mesmo pelo Hinduísmo, se aplicado aos fenómenos:

"Tentarei explicar a noção budista de sabedoria e seu tipo supremo: a concepção do vazio.
Entre os vários tipos, há a sabedoria de conhecer a variedade dos fenômenos e a de conhecer o modo de ser dos fenômenos. Entre essas duas sabedorias, a segunda - a sabedoria de conhecer o modo de ser ou a natureza final dos fenômenos - é mais importante. Essa é a sabedoria que compreende o vazio.
O que deve ser entendido pelo termo vazio? Há muitas maneiras diferentes de explicar o significado da palavra. Em certo sentido, significa compreender que a pessoa não é permanente, unitária e auto-suficiente. No budismo, todas as escolas concordam com esse tipo de compreensão do vazio. Então, em nível mais sutil, trata-se do vazio da auto-suficiência de uma pessoa, ou seja, a pessoa tem uma natureza, e a mente e o corpo têm naturezas outras além daquela da pessoa. É como um senhor e dois súditos; isto é, em sua natureza, o senhor (pessoa) é distinto dos súditos (mente e corpo). O vazio significa que não existe o estado de pessoa (senhor) separado da mente e do corpo (súditos); que esse tipo de estado é inexistente, ou vazio. Mas há também outro nível de noção errônea quanto à natureza de uma pessoa, no qual vemos a pessoa e a mente e o corpo como sendo da mesma natureza essencial, mas ainda concebemos a pessoa como o chefe, e a mente e o corpo como subordinados que recebem ordens.
Na Escola da Mente Única e na Escola do Caminho do Meio do budismo, também se fala sobre a noção errônea de um 'eu-dos-fenômenos' e sobre uma ausência (ou vazio) de um 'eu-dos-fenômenos'. Nesse sentido, a Escola da Mente Única fala de dois tipos de noções errôneas básicas. Uma é a de que sujeito e objeto são diferentes entidades. A outra noção errônea é a de que os fenômenos existem por meio de seu caráter próprio como referentes de nossas palavras e de nossos pensamentos conceituais sobre eles. Portanto, a Escola da mente Única ensina que há um vazio desses dois tipos de status.
Na Escola do Caminho do Meio, fala-se sobre a noção errônea de que os fenômenos existem de fato ou essencialmente. Como isso é considerado algo que se deve negar, fala-se também, nessa escola, de um vazio da verdadeira existência dos fenômenos. Dentro da Escola do Caminho do Meio, são feitas mais distinções. Uma tradição, a Escola da Autonomia, sustenta que os fenômenos que aparecem para uma consciência não imperfeita - uma consciência que não tem nenhum tipo superficial de erro - de fato existem convencionalmente. Mas então o que eles consideram como verdadeira existência quando dizem que os fenômenos são vazios de verdadeira existência? Para essa tradição, o falso status é que os fenômenos não são firmados à força de se tornarem aparentes para uma consciência não imperfeita, mas são estabelecidos por meio de seu modo exclusivo de ser. Esse status é a verdadeira existência que está sendo negada ou declarada vazia.
Na outra Escola do Caminho do Meio, chamada Escola da Consequência, o pensamento final de Nagarjuna é descrito por Buddhapalita, Chandrakirti e Shantideva. Nesse sistema final, a maneira como os fenômenos aparecem para a consciência não imperfeita - se é que eles existem - é o que deve ser negado no vazio. Na verdade, os fenômenos não existem daquela maneira; existem apenas nominalmente. Assim, o vazio é a ausência desse status exagerado dos fenômenos - como se existissem por conta própria. Portanto, o vazio de tal existência inerente aos fenômenos é a mais sutil não-essencialidade dos fenômenos. E, por fim, esse é o fato percebido pela sabedoria."

2 comentários:

Ana Margarida Esteves disse...

Excelente texto, Nuno, muito obrigada:)!

Anónimo disse...

Agora, que consegui ler com mais concentração o texto que nos trouxe, achei-o muitíssimo interessante. Explicadas com bastante clareza e simplicidade, nas palavras de quem conhece,as diferentes escolas e as noções de vazio.

Obrigado por trazer este texto