quinta-feira, 27 de março de 2008
"White & Nerdy"
"Weird Al" Yankovic - White & Nerdy:
http://www.youtube.com/watch?v=-xEzGIuY7kw
Tenho notado uma coisa interessante neste blogue: Um desejo, partilhado por várias pessoas, de transcender a humanidade, os espartilhos da carne, da emoção, do desejo, da falta e do pensamento e de serem só voz, só palavra, só energia. Não terem rosto, não terem nome, não terem idade, não terem nacionalidade, não terem casa, não terem país, não terem laços.
Relacionarem-se apenas através do verbo, abstraindo-se de tudo o que os/as possa identificar com uma forma humana.
Tudo bem, quando já se viveu plenamente tudo o que a condição humana tem para oferecer e se deparou com a sua insubstancialidade.
Tudo mal, quando ainda não se viveu até ao fim o que ainda temos de viver.
Ainda pior quando não é uma escolha, mas sim o resultado de uma imposição. Espero que nenhum de vocês tenha vivido a experiência de ser obrigado a ser apenas palavra, apenas intelecto, apenas abstracção, por o meio que vos rodeia não reconhecer o vosso direito a ser plenamente humano, e por os nossos delírios cerebrais e pseudo-mistico-poéticos alimentarem o ego das pessoas que mais importam para nós, e o nosso ego também, por "procuração".
Porque valorizamos tanto a palavra? O que é que a palavra, seja ela em poesia ou em prosa, tem assim de tão místico ou tão transcendente que não tem o tacto, a visão, a audição? Será a palavra assim tão mais valiosa do que uma carícia? do que uma gargalhada? Do que o contemplar a visão de um belo ser? Do que partilhar uma refeição? Do que alimentar alguém? Enxugar as suas lágrimas? Limpar os seus dejectos? Aturar as suas birras? Segurar os seus cabelos quando vomita na retrete? Curar as suas ressacas?
Porque insistimos tanto em nos projectarmos para uma dimensão o mais abstracta possível? Do que temos medo? Que condicionalismos nos levam a tal?
Vários de vocês são professores e estão conscientes do quanto o sistema de ensino, que ganha corpo na vossa voz - sim, na vossa voz, nas vossas palavras! - e nos vossos gestos contribui para reprimir, para destruir a criatividade dos vossos alunos, para os formatar em peças úteis ao sistema que, como disse o Paulo Feitais, têm um prazo de validade, tornado cada vez mais curto pela governabilidade neo-liberal?
Seremos nós o produto acabado da mesma máquina repressiva que tanto criticamos?
Será a nossa ânsia de ir além da mente, dos conceitos, das palavras, através do uso os próprios instrumentos que tanto vilificamos, a espressão acabada da nossa alienação, da nossa distorção enquanto seres humanos?
Então o descalabro acontece quando essa pantomina se transforma numa forma de vida e acaba por se tornar uma forma de pagarmos as nossas continhas ao fim do mês.
Sim, quando recebemos as nossas bolsinhas de estudo para escrevermos teses escaganifobéticas que mais fazem do que distorcer ainda mais a realidade e só serão lidas por mais meia dúzia de cópias de toscos como nós.
Quando damos as nossas aulinhas, orgulhosos diante do quadro ou do projector e injectamos os nossos alunos com uma dose mortal de tédio que irá destruir toda a energia que eles deveriam estar a consumir no relvado, na praia, na montanha.
Quando publicamos os nossos livrinhos, amontoado de papel que na maioria das vezes pouco mais servirá do que para confirmar o complexo de superioridade que meia dúzia de seres igualmente distorcidos têm em relação ao resto da humanidade.
Ao olhar para os bichos-caretas que se congregam nas universidades, principalmente ao nível de pós-graduações (coitada da muidagem que tem de aturar isto por pensar que é a única maneira de arranjar um emprego decente), dou 100% de razão aos meus colegas de liceu que me achavam um bicho-careta por me embrenhar tanto em política internacional, economia e literatura quando tinha à frente do meu nariz o esplendor do mar, do céu e da sensualidade do viver Algarvio.
Quem no seu juizo perfeito vai deixar de viver tudo isso pelas promessas vãs da "cultura", da "carreira" e do "reconhecimento" proporcionados por uma vida construida sobre os frágeis alicerces da verbosidade? De graus académicos, de convívio com intelectuais e artistas igualmente verbosos, narcisistas e desencarnados, por ver o seu nome impresso em algum lugar, por ter o prazer sádico de ver jovens vidas passar pelo mesmo processo de alienação do corpo, da natureza e da essência da humanidade que nós passamos faz alguns anos ...
E ainda por cima continuando nisso, tendo plena consciência da loucura que isso implica. É loucura mesmo ... Ou um caso extremo de alienação do que realmente importa ...
Se trabalho numa universidade, afogando o meu ser em enxurradas de palavras todos os dias, é por ter plena consciência de que não sei fazer mais nada.
http://www.youtube.com/watch?v=-xEzGIuY7kw
Tenho notado uma coisa interessante neste blogue: Um desejo, partilhado por várias pessoas, de transcender a humanidade, os espartilhos da carne, da emoção, do desejo, da falta e do pensamento e de serem só voz, só palavra, só energia. Não terem rosto, não terem nome, não terem idade, não terem nacionalidade, não terem casa, não terem país, não terem laços.
Relacionarem-se apenas através do verbo, abstraindo-se de tudo o que os/as possa identificar com uma forma humana.
Tudo bem, quando já se viveu plenamente tudo o que a condição humana tem para oferecer e se deparou com a sua insubstancialidade.
Tudo mal, quando ainda não se viveu até ao fim o que ainda temos de viver.
Ainda pior quando não é uma escolha, mas sim o resultado de uma imposição. Espero que nenhum de vocês tenha vivido a experiência de ser obrigado a ser apenas palavra, apenas intelecto, apenas abstracção, por o meio que vos rodeia não reconhecer o vosso direito a ser plenamente humano, e por os nossos delírios cerebrais e pseudo-mistico-poéticos alimentarem o ego das pessoas que mais importam para nós, e o nosso ego também, por "procuração".
Porque valorizamos tanto a palavra? O que é que a palavra, seja ela em poesia ou em prosa, tem assim de tão místico ou tão transcendente que não tem o tacto, a visão, a audição? Será a palavra assim tão mais valiosa do que uma carícia? do que uma gargalhada? Do que o contemplar a visão de um belo ser? Do que partilhar uma refeição? Do que alimentar alguém? Enxugar as suas lágrimas? Limpar os seus dejectos? Aturar as suas birras? Segurar os seus cabelos quando vomita na retrete? Curar as suas ressacas?
Porque insistimos tanto em nos projectarmos para uma dimensão o mais abstracta possível? Do que temos medo? Que condicionalismos nos levam a tal?
Vários de vocês são professores e estão conscientes do quanto o sistema de ensino, que ganha corpo na vossa voz - sim, na vossa voz, nas vossas palavras! - e nos vossos gestos contribui para reprimir, para destruir a criatividade dos vossos alunos, para os formatar em peças úteis ao sistema que, como disse o Paulo Feitais, têm um prazo de validade, tornado cada vez mais curto pela governabilidade neo-liberal?
Seremos nós o produto acabado da mesma máquina repressiva que tanto criticamos?
Será a nossa ânsia de ir além da mente, dos conceitos, das palavras, através do uso os próprios instrumentos que tanto vilificamos, a espressão acabada da nossa alienação, da nossa distorção enquanto seres humanos?
Então o descalabro acontece quando essa pantomina se transforma numa forma de vida e acaba por se tornar uma forma de pagarmos as nossas continhas ao fim do mês.
Sim, quando recebemos as nossas bolsinhas de estudo para escrevermos teses escaganifobéticas que mais fazem do que distorcer ainda mais a realidade e só serão lidas por mais meia dúzia de cópias de toscos como nós.
Quando damos as nossas aulinhas, orgulhosos diante do quadro ou do projector e injectamos os nossos alunos com uma dose mortal de tédio que irá destruir toda a energia que eles deveriam estar a consumir no relvado, na praia, na montanha.
Quando publicamos os nossos livrinhos, amontoado de papel que na maioria das vezes pouco mais servirá do que para confirmar o complexo de superioridade que meia dúzia de seres igualmente distorcidos têm em relação ao resto da humanidade.
Ao olhar para os bichos-caretas que se congregam nas universidades, principalmente ao nível de pós-graduações (coitada da muidagem que tem de aturar isto por pensar que é a única maneira de arranjar um emprego decente), dou 100% de razão aos meus colegas de liceu que me achavam um bicho-careta por me embrenhar tanto em política internacional, economia e literatura quando tinha à frente do meu nariz o esplendor do mar, do céu e da sensualidade do viver Algarvio.
Quem no seu juizo perfeito vai deixar de viver tudo isso pelas promessas vãs da "cultura", da "carreira" e do "reconhecimento" proporcionados por uma vida construida sobre os frágeis alicerces da verbosidade? De graus académicos, de convívio com intelectuais e artistas igualmente verbosos, narcisistas e desencarnados, por ver o seu nome impresso em algum lugar, por ter o prazer sádico de ver jovens vidas passar pelo mesmo processo de alienação do corpo, da natureza e da essência da humanidade que nós passamos faz alguns anos ...
E ainda por cima continuando nisso, tendo plena consciência da loucura que isso implica. É loucura mesmo ... Ou um caso extremo de alienação do que realmente importa ...
Se trabalho numa universidade, afogando o meu ser em enxurradas de palavras todos os dias, é por ter plena consciência de que não sei fazer mais nada.
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8 comentários:
(Ai Ana... tu hoje dás cabo de nós...)
Espero que as minhas palavras não tenham soado agressivas ... É sobretudo uma reflexão sobre a minha própria condição e as suas contradições inerentes.
...tu fazes tudo ao não fazeres mais (segundo as tuas palavras) do que aquilo que sabes fazer. Da minha parte tenho recebido toneladas de "dicas" nos teus posts. Eles são um dos principais motivos que me trazem aqui diariamente (mesmo quando não posto nada).
Quanto ao sistema de ensino, ele é uma trama de práticas concentracionárias. Mas há muitos professores que tentam "jogar" com isso. O que eu acho trágico é que há uma geração que está a ser impedida de entrar para a docência por motivos "economicistas". Tenho aprendido muito com colegas contratados e que estão na escola a prazo, muitas vezes com um horário diminuto. E tenho a consciência plena do desperdício de que somos responsáveis enquanto povo.
Eu acho que temos que criar o hábito de nos tratarmos como pessoas (estou a falar de "nós" cidadãos e membros de comunidades educativas, em especial).
Por exemplo, num conselho de turma questionaram-me por estar a dar 20 a um aluno. Eu respondi que, nunca tendo tido um 20 desde a primária até ao ensino superior, era evidente que o aluno era melhor do que eu e eu não tinha o direito a, por despeito, dar-lhe uma nota inferior. A partir desse dia, para a malta desse conselho, passei a ser um E.T., o que tem as suas vantagens. Uma delas é poder dizer tudo sem ser contraditado.
E acho que concordo contigo numa coisa essencial (apesar de poder dar a impressão contrária): o desapego, para mim, não é não ter laços, mas pelo contrário, recusar a mera troca como base das relações: dar atenção para ter atenção, dar para receber. Os vínculos verdadeiros, aqueles que realmente contam na nossa vida estão para lá das trocas. E estar vinculado é estar desapegado.
Posso nunca vir a conhecer-te pessoalmente, mas tens um impacto muito grande na minha vida (que tem um rosto e tudo o mais).
Ana,
...
Dizeres que não sabes fazer mais nada é uma grande injustiça para contigo própria, e só o dizes porque estás demasiado focada no que fazes (será somente devido às exigências curriculares ou perdeste a capacidade de te esvaziares, arejar…criar um ambiente propício?). É um excesso a carga de trabalho universitário em que vives, como o seria também se fosse num supermercado, numa praia o dia todo, embora neste último por ventura não tão saturante.. A diversidade é fundamental, de cheiros e sons, de horizontes… experimenta andar ao pé coxinho, pôr uma venda nos olhos, não acender a luz quando entras em casa, receber um shiatsu, mudar de perfume, escrever tudo da direita para a esquerda, falar sem nexo… Criatividade! Surpreende-te! Vives numa abundância de capacidades, inclusive na capacidade de seres feliz. Ainda bem que consegues sentir dor e ver o que te oprime. É um privilégio sentir toda a nossa humanidade, e a transcendência não é a exclusão de nada disso.
O corpo interessa-me. O nosso rosto é um oráculo, as nossas mãos mil corações, a nossa voz espelho de metamorfoses, o nosso olhar o abismo. Encontrarmo-nos aqui é uma sorte. Não nos vemos, mas mostramo-nos. A escrita é muito reveladora. Há palavras que me trazem mil imagens, as que trazem no íntimo e as que eu componho no meu. A minha experiência neste blogue, que é o primeiro e único, tem sido uma surpresa… há um silêncio partilhado que nos imita por palavras.
…
Durante muitos anos (há muitos anos) amarguei a saudade do meu irmão, crescemos tão distantes, sob o mesmo tecto. Eu queria-o presente, meu cúmplice, meu companheiro. A diferença de idade era muita naquele período da vida e diferentes eram também os nossos rumos. Mas lá nos encontrámos a dada altura, sobretudo porque percebi que aquilo que eu tanto queria receber, não dava. Eu exigia um irmão!, mas eu própria não manifestava ser sua irmã. Isto para te dizer que não esperes que os outros te tratem como ser humano, com os atributos todos, trata-os tu como tal e verás a grande mudança. Em ti.
Isso são saudades dos afagos espontâneos da vivência portuguesa. Do beijinho na face quando se encontra um amigo, do abraço meiguinho que vem sem ser pedido. Eu sei que os Anglo- Saxões são muito contidos, mas os que conheço deste lado do oceano Atlântico, ficam mais humanos depois de umas Guinness.
Agora aqui só entre nós, que ninguém nos ouve. Shiu!!! ...
( em ultimo, caso deita umas gotas de aguardente na chaleira do café da sala do teu departamento, vais ver como os sorrisos descongelam. :)))
Umas gotas, que isto fique bem claro! Go easy on the bottle!)
Esta mensagem auto - destruir-se-à em 30 segundos!
Um abraço!
Ana, podes ter a certeza que tocaste mesmo no cerne da questão;-)!
Uma grande beijoca para todos vocês:-)!
Eu sou optimista: isto em breve vai melhorar! - só precisamos de alguns mortos... tipo um videozinho no YouTube com alguns putos a abater colegas, profes e funcionários, e a filmar tudo.
E se os putos tiverem longas gabardinas negras, até teremos direito a prolongamento na TVI... mas, não sei porquê, acho que vão ter boné de pala e falar por gestos e monossílabos...
P. S. Chá e torradinhas, não há? - pois, o «choque tecnológico» ainda vai muito atrasado.
P. P. S. Esta: Bimbo Number 5 - é a minha favorita - nem sei como este hino à libertação da mulher não foi tomado como hino de campanha pela Hillary! :)
Não faria pior figura.
Lord/Klatuu (e vice-versa), se tu não existisses tinhas de ser inventado:-P ...
Adorei o "Bimbo nr 5", mas diz mais sobre o Bill do que sobre a Hillary;-) ...
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