O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 1 de julho de 2009

"Partir, seguir as pisadas do pastor, é experimentar um género de panteísmo extremamente pagão e reencontrar os vestígios dos antigos deuses"

"Viajar pressupõe, portanto, recusar o horário laborioso da civilização em proveito do lazer inventivo e jovial. A arte da viagem exorta a uma ética lúdica, a uma declaração de guerra ao controlo e à cronometragem da existência. A cidade obriga ao sedentarismo legível graças a uma abcissa espacial e a um ordenamento temporal: estar num determinado lugar num preciso momento. Deste modo, o indivíduo é controlado e facilmente localizado por uma autoridade. O nómada, por seu lado, recusa esta lógica que permite transformar o tempo em dinheiro e a energia singular, o único bem do qual dispomos, em moedas sonantes e trôpegas.

Partir, seguir as pisadas do pastor, é experimentar um género de panteísmo extremamente pagão e reencontrar os vestígios dos antigos deuses - deuses das encruzilhadas e da sorte, da fortuna e da embriaguez, da fecundidade e da alegria, deuses das estradas e da comunicação, da natureza e da fatalidade - e libertar-se das amarras das limitações e das servidões do mundo moderno. O seu périplo abarca todo o planeta e vale-lhe a condenação daquilo que delimita e escraviza: o Trabalho, a Família e a Pátria, pelo menos no que diz respeito às limitações mais visíveis e identificáveis"

- Michel Onfray, Teoria da Viagem. Uma Poética da Geografia, Lisboa, Quetzal, 2009, pp.15-16.

13 comentários:

saudadesdofuturo disse...

Devo voltar, quem sabe não estamos, os viajantes já numa "poética da geografia" que faz da viagem, quem sabe!? rumo à reminiscência de uma casa antiga: telúrica, jovial e, decididamente, mais livre. Isto não só para a "libertação" das "amarras" sociais, mas também para "ouvir" as paisagens, num sentido mais profundo e partilhado...

Interessante, este exerto!

platero disse...

Rasputine faz as malas para Férias.
Férias grandes? Grandes férias?

Eu já estou sempre em férias. O que é chato. Que é o mesmo que nunca estar em férias.
Boas delas, então. Bucólicas (virgilianas?) de preferência

Paulo Borges disse...

É o filósofo que mais vende em todo o mundo... Esteve recentemente em Portugal.

Continuo a preferir a "viagem onde nasce o viajante", de José Marinho. E deixo também, como provocação, Bernardo Soares: "Viajar é uma falta de imaginação". Mesmo que não o seja necessariamente.

Viajar turisticamente, com rota e estadia determinada, isso sim, é uma falta de imaginação. Que muito falta, pelo volume actual destas viagens.

Stanislas Breton, pensador católico de grande profundidade, diz que o grande problema do Ocidente foi ter-se convertido a odologia (teoria da viagem) numa ontologia, ter-se trocado o arrebatamento com que abre o "Poema" de Parménides por um discurso conceptual sobre o Ser.

Anónimo disse...

La anarkia mas que "sin gobierno" es guerra... guerra contra esta realidad creada, para recuperar el paraiso perdido....es una revolucion, la revolucion del pensamiento, es lo que hace que un obrero se oponga ante la autoridad del patron...

El hombre es bueno por naturaleza. Es el capital quien lo alienea y lo convierte en un ser nefasto..........

Anónimo disse...

trabaja produce consume muere

vvvvvvvvv disse...

Viajar... o vazio da vertigem...

Anónimo disse...

o medo de não sobreviver

meta disse...

A certeza do desconsolo.

Anónimo disse...

O Uno é que é o ser, pois que o não ser não pode ser. (sorriso, Paulo)
Esse senhor de Stansilau Breton não deixa de ter razão.

Um abraço

rmf disse...

Paulo, vou seguir a sua ideia quando diz “Viajar turisticamente, com rota e estadia determinada, isso sim, é uma falta de imaginação”, em viagem!

É usual, pelo menos para quem já viajou de avião, marcar em primeiro lugar o voo, e depois, “para não correr riscos” marcar também a primeira dormida, enfim, para repousar as malas. Depois, vencido este sentimento de estabilidade protectora, aí sim, e durante o tempo disposto para tal, procurar, falar, entrar em contacto, saber procurar o onde, o até onde, o até quando. Acredito que com agenda marcada, isto é, com o tempo de estadia definido, as férias poderão volver-se ao desfrutar de um regresso antecipado. Daqui se depreende, o que inicialmente era tido como procura de paz e descanso queda-se facilmente num crescendo de ansiedade.
Um turista com férias marcadas, ainda que em tom de piada lembre um condenado com os dias contados é, sem dúvida, o mesmo que dizer, aproveitar ao que resta o tempo que nos é concedido.
Esqueçamos então as férias dependentes de um transporte aéreo, que bem suportam a ideia de turismo.
À superfície, creio, tudo muda, passando consideravelmente a ser território, caminho. Há aqui a facilidade de ver aproximada a distância até ao limite temporal de um… vamos já, em curso!
As viagens de comboio, de automóvel, de autopullman, facilitam e muito, a demanda de serem feitas férias, sentimento este já rodeado de alguma ansiedade.
Mas esqueçamos também a ansiedade e deixemo-nos levar pelo que nos espera, de braços abertos.
Viajar sem data marcada, viajar sem preocupações com estadias, viajar pela procura, procurar pela viagem, é um livro aberto nas mãos que manuseiam a carta geográfica, o mapa de estradas, direccionando o projecto rumo ao que daí possa advir. Conhecer, muitas das vezes, é fazer por procurar conhecer, que nada mais é que procurar conhecimento.
Hoje, quero dizer, nos dias que correm, viajar como apelam, viajar cá dentro, é uma opção muito enriquecedora porque, tudo o mais que se considere, coloca-nos de frente para aquilo que cada qual pensa que somos, como individuais colectivos.
Quantas vezes não proferimos a intenção de dizer que não gostámos de determinado lugar, só porque alguém nos disse algo que não aceitámos, ou só porque não nos sorriram, ou só porque nada não nos disseram, ou só porque não havia leite de soja em determinado supermercado… quantas vezes não partiu, de quem vem de fora, a expansão da sua ansiedade, esquecemos assim por momentos, que a energia individual interage directamente com a terra, com as pessoas, escapa-se-nos a ideia de inter-dependência e inter-relação, e por aí em diante...

rmf disse...

Esqueçamo-nos de nós próprios e procuremos conhecer o que está cá dentro, ao que de nós é comum, o sermos, de coração, portugueses.
De Viana do Castelo a Vila Real de Santo António, de Miranda do Douro a Vila do Bispo, até ao cabo de São Vicente e depois, de regresso, parar no coração geodésico de Portugal, no ânimo de Vila de Rei. No verdadeiro sentido palavra abraçar Portugal, conhecer do cruzamento dos extremos aquilo que se encontra na sua intersecção.
Viajar em Portugal, conhecer a diversidade da qual se reveste, passar por todas as terras, cidades, vilas e aldeias do território é, pelo menos, de se tentar.
É o projecto português, pequeno, à dimensão de um país, à escala dessa senda, à escala do conhecer-se.
O interior para nós substantivo é, ou será um sempre foi, motivo para se pressupor distância à interioridade. E procura-se o mar como local de descanso, os mares de Agosto, que de norte a sul vivem a aventura da subsistência. É certo, há praias e praias, umas mais povoadas, outras nem por isso. Procure-se aquela para onde se dirigir. Na verdade, viajando de automóvel, não há que dar importância à escolha de destino. Destino é o que por vezes nos preenche, esvaziando pulmões de sua paz, inundando-os de desassossego.
Tanto dá, queiramos estar onde sempre estivemos, queiramos ir ou não de férias, conta ir, apenas ir, à procura desse local interior, desse exteriorizar… aí, nessa esplanada junto ao mar, aí na esplanada junto ao delta, aí, no deserto alentejano, irmão de sangue do planalto, aí entre o verde de Caminha e a serra do Gerês, e de Montalegre a Chaves, de Vila Pouca a Amarante, pela encosta do Alvão, de Mondim à Campeã, de Montemuro à Lousã, de Monchique ao Caldeirão.
Talvez me falte a imaginação para falar de férias em Portugal, mas…troque-se o termo férias, que já de si subentende uma pausa no trabalho, e pense-se em viagem. É um termo mais generalista do qual não se depreende prisão alguma, apenas liberdade.

Paulo, grato pela “ideia”! (sorrisos)
E Rasputine, grato pela partilha dessa boa viagem,
À serpente, boas viagens, se for o caso! :)

Paulo Borges disse...

Belas reflexões, belas sugestões, caríssimo Rui!

Boas viagens!

viajando disse...

Credo! Tanta beleza, mestre!

Viajar é um movimento de morte.
Asfixia a desolação da paisagem.
Não há para onde ir...