segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Elogio da Malandragem
Domingo passado em Ipanema:
Um céu azulíssimo, uma das maiores concentrações de corpos lindos à face da terra, o mar coroado de ondas mornas, o morro dos Dois Irmãos, a Pedra da Gávea e a Floresta da Tijuca a sorrir-nos sobre o nosso ombro direito.
Volto para toalha depois de ter sido enrolada umas duas ou três vezes pela rebentação e tento escrever. Que inveja dos surfistas! Quem me dera ter me permitido aprender a surfar nos anos em que pensava que isso era actividade de meninos calões que não gostavam de estudar e nunca seriam nada na vida ...
Para quê escrever quando tanta beleza exige a nossa atenção absoluta e integral?
Para quê estudar quando tanta beleza nos transmite num só momento de intuição a essêncial inominável de toda a philosophia perenis?
Para quê produzir quando nos é oferecida de graça tanta plenitude?
É por isso que admiro a sabedoria dessa arte bem Brasileira que é a da Malandragem, uma filosofia de vida profundamente amoral (o que não significa imoral, pois é o oposto de tudo o que é sistemático) que expõe toda a hipocrisia, pretensão e vaidade que se esconde debaixo das melhores intenções, do politicamente correcto, da intelectualidade (esse charco imundo de distúrbios da personalidade), da ética do trabalho e sobretudo da ilusão suprema, que sustenta a nossa sociedade supostamente civilizada, que é a da retribuição: Se fores uma boa menina ou um bom menino, se trabalhares muito, se fores boazinha ou bonzinho com os demais, se cumprires todas as regras morais que te enfiaram pela garganta abaixo e se fores generoso/a com os supostamente mais necessitados, vais te dar bem. Serás reconhecido/a socialmente, ganharás os favores de Deus/acumularás bom karma, todos aqueles a quem supostamente fazes o bem ficarão muito agradecidos e terás acesso a todos os confortos e mordomias reservados aos "bons cidadãos", "bons profissionais", aos "educadores", aos "formadores de opinião" e aos bons pais/mães/filhos/irmãos e outros membros de uma família. Quem sabe, até atingirás a Santidade/Iluminação?
Mas a realidade não é assim. Se fosse, como seria que um Ron Briggs, afamado assaltante de comboios Britânico, vivesse durante décadas uma vida de nababo aqui em Terras de Vera Cruz e até se tivesse tornado uma atracção turística, ganhado pipas de massa à custa de organizar churrascos com turistas curiosos de saber o segredo da sua boa vida? Como seria que mulheres e homens perversos ou pobres do ponto de vista emocional e/ou intelectual conseguissem viver grandes amores à custa de qualidades superficiais? Como seria possível que o Zezé Camarinha conseguisse enriquecer e até abrir o seu próprio negócio à custa de expôr a sua vida íntima de uma forma que nós, os bem-pensantes, achamos exibicionista, obscena e imoral? E então, como seria possível que o que julgamos ser umas "bestas quadradas" e/ou "pútulas de corrupção" conseguissem galvazinar tanto apoio político e/ou tanto "sucesso" material? Melhor ainda: Como seria possível que agiotas se tornassem santos?
A lei da Malandragem é a lei mais primordial que existe: A de saber ouvir o instinto e de o seguir a ele, e apenas a ele, de modo a minimizar o esforço e a dor e maximizar o prazer.
Que vivam os Malandros, exemplo mais perfeito a Besta Sadia Nietszcheana. Eles existem para nos lembrar da importância da incondicionalidade. Todo os esforços que empreendamos que vão além da lei da Malandragem, que os façamos não porque esperamos algum resultado específico, reconhecimento ou recompensa neste ou noutro mundo, mas pura e simplesmente porque o queremos fazer, porque temos prazer no próprio acto de os tentar concretizar, porque ao fazê-los cumprimos e nos libertamos daquilo que há de mais ilusório: A ideia de termos um "eu".
Senão, que nos entreguemos às exigências sofregas da beleza que nos rodeia.
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4 comentários:
É fartar, malandragem!
Recordo-me do livro de Roberto DaMatta, "Carnavais, Malandros e Heróis", importante para compreender o Brasil.
Distúrbios da personalidade ou personalidade como distúrbio?
"Eu já não aprovo ou desaprovo nada. É uma atitude absurda a tomar em relação à vida. Não viemos ao mundo para exercitar preconceitos morais." O.Wilde
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