quinta-feira, 6 de março de 2008
Amor
"Amor vem de uma velha palavra que busca a mama.
Palavra da Roma antiga que curiosamente apela o atributo que caracteriza a classe dos mamíferos vivíparos, surgidos no decurso da Era Terciária, onde se formaram as condições mais singulares do nosso destino. Amor é uma palavra que deriva de amma, mamma, mamilla. Mamário e mamã são formas quase indistintas. O amor é uma palavra próxima duma boca que menos fala do que mama ainda espontaneamente avançando os seus lábios na fome"
- Pascal Quignard, Vie secrète, Paris, Gallimard, 1998, pp.12-13.
Por aqui se sugere, numa certa perspectiva, como o sentido ideal da palavra se transformou, para designar a dádiva desinteressada de si ao outro - "ágape" em grego, "caritas" em latim, "maitri" (amor) e "karuna" (compaixão) em sânscrito - , ao mesmo tempo que a experiência que habitualmente nela se designa permanece próxima do seu sentido original, que parece relevar de uma carência, dependência e apego auto-gratificante. Mas há outras leituras possíveis. Tudo depende de se considerar o que se implica, simbólica e realmente, na fome do seio materno ou da boca/seio/sexo da/do amada/amado: não pode isso, para além do apego, indicar uma saudade veemente, uma fome ardente, de regresso à origem ou ao que está antes dela ?... Ao terrível mistério do que precede a cisão da concepção, do nascimento e do existir, nosso e do mundo, não no passado, mas a cada instante ?... Reconhecido isto, então o amor, no sentido de um eros iluminado, de olhos bem abertos, são asas rasgadas para o infinito. Agora mesmo !
Palavra da Roma antiga que curiosamente apela o atributo que caracteriza a classe dos mamíferos vivíparos, surgidos no decurso da Era Terciária, onde se formaram as condições mais singulares do nosso destino. Amor é uma palavra que deriva de amma, mamma, mamilla. Mamário e mamã são formas quase indistintas. O amor é uma palavra próxima duma boca que menos fala do que mama ainda espontaneamente avançando os seus lábios na fome"
- Pascal Quignard, Vie secrète, Paris, Gallimard, 1998, pp.12-13.
Por aqui se sugere, numa certa perspectiva, como o sentido ideal da palavra se transformou, para designar a dádiva desinteressada de si ao outro - "ágape" em grego, "caritas" em latim, "maitri" (amor) e "karuna" (compaixão) em sânscrito - , ao mesmo tempo que a experiência que habitualmente nela se designa permanece próxima do seu sentido original, que parece relevar de uma carência, dependência e apego auto-gratificante. Mas há outras leituras possíveis. Tudo depende de se considerar o que se implica, simbólica e realmente, na fome do seio materno ou da boca/seio/sexo da/do amada/amado: não pode isso, para além do apego, indicar uma saudade veemente, uma fome ardente, de regresso à origem ou ao que está antes dela ?... Ao terrível mistério do que precede a cisão da concepção, do nascimento e do existir, nosso e do mundo, não no passado, mas a cada instante ?... Reconhecido isto, então o amor, no sentido de um eros iluminado, de olhos bem abertos, são asas rasgadas para o infinito. Agora mesmo !
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12 comentários:
Tudo isto é muito verdade. É exactamente isso o que o Amor sempre deveria ser: Asas rasgadas para o infinito.
No entanto, é tão triste darmo-nos conta de que, na esmagadora maioria dos casos, aquilo que se chama "amor" não passa de um jogo em que se procura massajar o ego ou buscar vantagens sociais ao massajar o ego de outrem, tentar mascarar carências afectivas, utilizar o outro como meio para atingir certas vantagens sociais e económicas - Uma maior conta bancária, um passaporte para um país ou espaço económico mais próximo e melhor cotado na hierarquia das culturas e das etnias, arranjar um marido/esposa pois é isso que a família e a sociedade espera de nós, etc ...
Hátambém quem confunda o Amor com a simples atracção física, n maior parte das vezes condicionada de forma inconsciente pelos media e as expectativas culturais ...
é pena o quanto o "amor" está cheio, mas tão cheio de política e o quanto este alimenta a sociedade de consumo ... Tornando-se assim um jogo de poder, de egocentrismo e de ilusão ...
Caro Paulo Borges,
Sempre inspiradoras, as suas palavras, e a clareza do pensamento que as acompanha. Verdadeiramente sentidas em mim...
Não resisto...
Não são reais/pertencem à paisagem sem corpo/os namorados/Vulneráveis/como ave negra em céu azul//
Esquecidos da realidade/que os separa do mundo.//
Não pisam o chão,/aproximam o céu do beijo/e perdem-se um no outro,/como dois caminhos/que o tempo segura/na pestana dos dias.
...
Enquanto o azul dorme/uma ave atravessa-o/Vai em busca da luz/a luz que arrasta//
A minha alma também/reflecte e guarda/A chama que atravessa os mares do peito.
Obrigado
Ana Margarida,
Não tenhas uma visão tão "pesada" e crua da realidade. És tão nova... Então, não há lugar para o sonho? Essas coisas de que falas são como pedras falsas que temos que colocar de lado para acharmos a pérola que reside em nós e nos outros. Acredita nas «Asas rasgadas para o infinito» é uma bela imagem...
Brindemos o sol/antes que a lua espalhe/a prata dos seus versos/no espelho da noite.//
A clara sílaba do vento/ no teu ventre/Terra/O sopro de um Deus que se reparte.
Boa noite,
Muita alegria,
Muita Paz
Obscurissimamente,
Querido obscuro,
É verdade, sou muito nova. Mas podes ter a certeza que, como embarcadiça, já vivi muitas coisas na minha jovem vida. Luto bastante para manter o que resta da minha inocência. Aqui nos EUA perdi mais uma grande parte dela. A pimeira grande navalhada na minha inocência foi na "city" de Londres, um local com uma energia ainda mais pesada do que esta que se vive aqui.
Mas acredita que, não obstante as minhas meditações sobre o oportunismo, a sede de poder, o mal, a violência e a morte, continuo a acreditar, e muito, na Beleza, na Alegria e no Amor.
Sabes uma coisa muito engraçada? Tenho a impressão que essas meditações são uma forma de me dar conta da ilusão e da inexistência do mal, para depois me poder banhar na luz do supremo Bem. Os extremos tocam-se e quando os exorcisamos atravez da palavra eles revelam-se na sua ilusão e inexistência.
Acredita que ontem, depois de escrever aquele post sobre a tortura e os seus efeitos, a pensar no sofrimento passado por grandes amigos meus, fui invadida por uma ternura, uma sensação de beatitude, um dilúvio de Amor ... Era como todo o Universo me dissesse que há razões para acreditar, "against all odds" ...
Um forte abraço,
um sorriso:)
Muita Ternura e muita Paz
Ser vivíparo é ser vivo antes de nascer, se há vida secreta, é porque há um fundo único de onde tudo brota. A Vida é um fonte com muitas e diferenciadas bocas. Talvez por isso as de Roma nos pareçam tão maternais e por lá deixemos desejos. Não do a ser, mas do que fomos. Eros de asas iluminadas? Invisíveis como os deuses? Translúcidos como a água, ou habitantes de um fundo invisível à superfície? Saudade também a sente quem se agarra aos símbolos biológicos da desindividuação. Desintegração. Catástrofe do eu, do si. Mas num leito que nos parece, como o seio da mãe ou o sexo, símbolo de outro leito maior! Mas onde? Retine, então, dentro de nós essa metade ausente, mas a paisagem guarda essa vida secreta num caminho que é o do vergel. Talvez daí a harmonia das estátuas nos jardins. E, nos jardins da memória... O secreto gosta de se simbolizar. A saudade gosta dos símbolos. É a voz que o ausente arrasta até ao presente. Uns pressentem-na e ouvem o chamamento, outros não. A saudade é o Anjo da História? As estátuas têm essa voz. As que estão nas pinturas de Poussin também.
From Grace (Thomas Dybdahl)
http://www.youtube.com/watch?v=XF_bpS-tv-I&feature=related
it seems I have a weakness I didn't know about, till the day it rained
& it seems my weakness has been bulging, has been forcing its way
it seems I have a weakness I didn't know about, till the day it rained
& it seems my weakness will become my final stage
and it's here that I’ll give, yeah I’ll give you all my love
and it's here that I’ll give, yeah I’ll give you all my love
it seems I had a secret I didn't know about, till the day it poured
& it seems my secret has been bulging, has been forcing its way
& it seems i have a secret that will be my final stage
& it seems i have a secret i didn't know about til the day it rained
and it's here that I’ll give, yeah I’ll give you all my love
and it's here that I’ll give, yeah I’ll give you all my love
Há a especulação, talvez fantasiosa, mas não menos significativa, sobre o "amor" como "a-mors", não morte... E também a dos "fiéis d'Amor" heréticos ocidentais que na palavra viram o contrário de "Roma"... Continua a haver muita informação útil sobre estas questões na "Metafísica do Sexo", de Julius Evola.
Então amar é recusar o desmame ou procurar a mama pelo que nela remete para antes da amamentação ?...
O Amor, com A grande, e entao o supremo desafio, a suprema heresia, a suprema transgressao ...
Penso que a fome se deve à cisão, e à falta que sentimos desse ou dessa com quem estávamos/éramos juntos no princípio, supondo que tudo já foi uno. Quem era esse(a) outro(a)? Quem éramos? O que existia nessa altura? Se calhar são apena saudades do útero, título do último álbum de Nirvana, "In Utero". Ou será saudade de algo anterior a tudo, de Deus? Falta de quê ou de quem, que melhor se suprime na relação amorosa e em algum sexo? Ou mesmo no amor que sentimos pela nossa Mãe, o amor de filho para mãe e a simétrica, são únicos. Que carga erótica ou mística poderão ter? Etc., etc.
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