terça-feira, 22 de julho de 2008
Política, Ascese e Santidade
"É necessário que surjam no mundo, a exemplo do que foram os frades-soldados da Idade Média, frades políticos, homens que, imolando tudo o que lhes é estritamente pessoal nas aras do geral, não queriam terras separadas do céu, nem céus separados da terra, mas sempre e sempre e sempre os dois unidos no mesmo esplendor de fraternidade, de paz e de bem-aventurança. Não se suponha, porém, que isto se fará falando ou escrevendo ou pensando; isto se fará fazendo. E fazendo pela não-intervenção absoluta na política de grupos; pela escolha, para governantes, de homens e não de legendas; pela atenção aos problemas locais e imediatos e não só aos planetários e futuros; e, como base de tudo, pela conquista e domínio de si mesmo, através do caminho único que têm apontado a experiência e os séculos: o caminho da ascese mais rigorosa e absoluta, da oração contínua e do amor dos homens em Deus e por Deus"
- Agostinho da Silva, "Política e Santidade", in As Aproximações (1960), in Textos e Ensaios Filosóficos. II, Lisboa, Âncora Editora, 1999, p.24.
Apenas acrescentaria que "ascese", neste contexto, quer dizer exercício constante da mente para superar os seus limites cognitivos e afectivos (tal como um atleta se treina para ultrapassar os seus limites físicos), que "oração" pode ser para alguns "meditação", que "homens" se pode dilatar a "todos os seres" e que "Deus" se pode traduzir por Infinito ou Natureza primordial. Sem esta ascese e este amor, creio que a política é o pior dos riscos, para si e para os outros. Mas, como diz Agostinho neste texto, é por isso mesmo que os ascetas, que buscam a santidade da não-dualidade, a ela se devem dedicar: não na esfera do confronto de grupos e partidos, mas no domínio mais amplo da sua transcensão e integração no serviço do Bem comum.
- Agostinho da Silva, "Política e Santidade", in As Aproximações (1960), in Textos e Ensaios Filosóficos. II, Lisboa, Âncora Editora, 1999, p.24.
Apenas acrescentaria que "ascese", neste contexto, quer dizer exercício constante da mente para superar os seus limites cognitivos e afectivos (tal como um atleta se treina para ultrapassar os seus limites físicos), que "oração" pode ser para alguns "meditação", que "homens" se pode dilatar a "todos os seres" e que "Deus" se pode traduzir por Infinito ou Natureza primordial. Sem esta ascese e este amor, creio que a política é o pior dos riscos, para si e para os outros. Mas, como diz Agostinho neste texto, é por isso mesmo que os ascetas, que buscam a santidade da não-dualidade, a ela se devem dedicar: não na esfera do confronto de grupos e partidos, mas no domínio mais amplo da sua transcensão e integração no serviço do Bem comum.
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9 comentários:
Eu acho que não é só na política, no Amor também. E concordo com isto tudo e gostava de acrescentar umas reflexões.
A minha vida recentemente vem tantando mostrar-me que o amor é uma força descomunal que nos pode tocar de tal forma que tudo tenha que ser repensado, resofrido, restaurado. Se entramos num caminho de busca, chamemos-lhe espiritual, ou o que quisermos, pensando que as coisas irão decorrer de modo seguro, então esta ilusão custar-nos-à sempre caro.
E há mesmo um amor que não se apega, que nos quer libertos para que a sua vibração chegue aos corações. O Sampaio Bruno deve ser lido, a sério. Os cavaleiros do amor talvez nos dias de hoje tenham que assumir a mendicância suprema, como aliás sempre fizeram. A fidelidade à mulher que nos sagra é difícil de manter porque são todos os seres que nela se manifestam e através dela se nos propõem como o fim supremo do caminho. E como não amá-la ainda mais? E como suportar as derivas, o silêncio, a madrugada sentida na perdição de todas as horas?
Os esponsais da madrugada... como é bela a Amada! Como a vida se transfigura...
O que é que isto tem que ver com a política? Talvez nada! Mas Pedro o Crú, foi o Rei que, mesmo depois de Inês morta (impossivelmente morta) entrava nas cidades a dançar, à semelhança do Rei David, esse outro Rei dançarino que, antes de ser Rei foi Pastor. Também lhe morreu uma amada, a mesma que veio sagrar Portugal, primeiro tentando ser Rainha do Impossível, coroada depois de morta, depois, a dispensadora da Ilha dos Amores que nos alucina, presente em todas as mulheres em relação às quais pronunciamos aquelas palavras que nunca se dizem de modo vão: "eu amo-te" e que significam: tomei o teu nome como o nome luciferino da minha alma.
E a Política? É a velha fala do velho do Restelo. É que ele não é o velho do Restelo que nós hoje usamos para tudo e mais alguma coisa. É um fiel de Amor que vem dizer-nos, com palavras camonianas que, como toda a gente sabe, não são palavras: a terra deve ser governada por quem ama o mar e a perdição. E não busqueis no mar aquilo que se possa trazer para a terra. As pimentas e as canelas não são para serem transformadas em dinheiro que, fatalmente, os homens da terra firme sempre considerarão insuficente.
São para saboreas a vida. E celebrar. Beijo os lábios da minha amada na lembrança que dela guardo e à minha alma beijo e nesse beijo dou-me a beber a todos os seres esperando que a Sua sede, nome supremo do meu nome, algum dia me beba, derrotado, desenganado da vida, louco, mas feliz.
Supremamente feliz, mesmo na Dor e na abundância.
E a política? Não há que ter medo de lutar.
;)
E não vou corrigir os desavisos ortográficos porque para o amor não há ortografias. É Maluquês e pronto.
É que esqueci-me de dizer qual a amada que morreu ao Rei David: foi a dimensão feminina, saudosa, de Deus. Um Deus úbere, sempre prenha, sempre negativa, nunca dispensador de sémen, sempre matriz e rasgura do hímen que se põe entre as coisas e o nós julgarmos que existem coisas.
;)
(Eu não sei se vou ao retiro, :) Estou a fazer tudo ao contrário do que jurei, ;)).
Paulo, acho que deves ir mesmo ao retiro, que é sobretudo para fazer o contrário do que os nossos egos juram! Quem jura senão o ego?
Adoro estes teus textos. Se quiseres juntá-los num livro, farei por arranjar quem o edite. Eu sou assim: penso logo em livros, por mais que preze acima de tudo o que se não escreve nem diz...
Paulo, estes meus textos não são meus. Escrevi-os no sentido em que eles se escrevem em mim. E o Ego, sim. Mas já não é ele quem escreve. Neste momento só quero soltura. E o que tiver que ser, será. E agradeço-te, como sabes. Um abraço!
Será que ainda teríamos quem se dispusesse a dar-se ao trabalho de entrar na política se eliminássemos todas as regalias materiais, as luzes da ribalta, o sentar-se no colinho dos "grandes" deste mundo, o suposto status e todos os salamaleques associados ao ser "político"?
Essa ascese de que tão bem fala Agostinho não deveria ser parte obrigatória da educação que todos os seres humanos recebem, para que cada um deles seja absolutamente livre, amante de todos os seres, e por isso capaz de governar-se e de governar o país, e não uma elite plutocrática, e por isso com acesso mais facilitado a uma educação de qualidade, ou uma versão ocidental de uma casta "Brahmin" filosofico-religiosa-política.
Sugestões sobre que forma deveria ter essa educação?
Errata: Ponham um ponto de interrogação em vez de um ponto final no segundo parágrafo do meu último comentário.
Cá eu não ponho nem pontos de interrogação, nem pontos finais no que escreves...
;)
Quanto a essa educação...
Talvez seja essa a minha luta quotidiana. Talvez. ?!&.
:)
Não vais ao retiro porquê, Paulo?
A propósito, gostaste dos ensinamentos no domingo?
Aquela conversa toda sobre o apego e o amor veio mesmo a calhar: andava por aqui sempre neste blogue... agora venho aqui esporadicamente. Gosto de ler o que escreves. Vou-te visitando...
Eu vou. ;)
Adorei os ensinamentos. Tal como eu previa o mestre falou sobre o amor, exactamente o que eu precisava de ouvir. O apego não é amor. Querer a felicidade do outro é o que mais importa. Venha essa felicidade de onde vier. Se me enterrassem vivo para com isso dar a felicidade ao meu amor, mesmo assim eu nunca morreria (é claro que o mestre não disse isso, isto já sou eu a malucar).
~;)
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