O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 31 de julho de 2008

Divagações

A passagem por este mundo é o mistério por desvendar
fio que se desenrola sem se conhecer princípio
meandros enrolam os dias e os confundem nas trevas.
Entre tempos retorna-se a esta praia ocidental
escuta-se o rumor das ondas em espuma desfeita abruptamente
como se do fundo dos tempos nos tentasse relembrar.
Teme-se, foge-se sempre de algo
passam rostos que não reconhecemos, vidas que esquecemos,
passamos por nós sem repararmos
Caminhamos como se algo faltasse, nas profundezas do ser
quanto tempo demorará a reencontrar?
Estranho sentimento de passar, de existir, efémera maré...
Contemplação.
Universo observa-nos anima de todos os seres,
espera por nós viajantes no sempre em busca de algo.
Só esta praia ocidental devolve a presença de tudo
fugazes sulcos no encrespado das águas derramadas no éter.
Ó civilização, cobiça, aqui não encontram lugar!
Tudo se consome em névoa onde já não se decifra a tinta.
Deste Cabo onde se avista o nada
nas falésias despenham-se trevas e refaz-se em apoteose a luz

E os sonhos serão ilusão?
Com os sonhos aprende-se a conhecer a alma e a reinventar o mundo
sem querer ou não querer, acesso ao poder do mais profundo
sem obstáculos, energia emergente de todas as fugas.
É além que tudo se mostra por dentro das máscaras
e o que se revela por amor nada anseia receber.
Amor fiel a si próprio sem renúncia à fonte geradora,
dócil vontade escapando à tirania que nos disciplina
para obedecer e cada vez mais reprimir o pulsar criador.
Carregamos fardos de tristeza,
olhemos a fera aprisionada
ora ruge incontrolável ora padece submissa sob o chicote
domador, de nós marionetas, iremos consentir?
Se escolhermos aniquilar os impulsos,
cruéis seremos e amordaçados,
sem a força dos sentidos débil é a razão.
As árvores oscilam ao sabor do vento
a seiva torna-as flexíveis e os ramos não quebram,
Amor é seiva da árvore que somos
quem o sente é forte, quem o seca morre.
Os homens separaram o corpo da alma, destruíram o Amor
e o mundo mergulhou na confusão
não o caos primordial, mas o caos surgido de conceitos
e preconceitos reprimindo o sensível, padronizando atitudes,
engrenagem social que afastou o humano da Natureza
separando-o de si-mesmo distorceu a percepção.
Talvez um “Guardador de rebanhos” cruze o nosso caminho
como aquele que despertou em Alberto Caeiro:
“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...”
Urge libertar o Amor aprisionado
da condição de objecto que se dá ou recebe.
Basta apenas amar sem posse e sem limites,
e não “perdidamente” como quis Florbela, antes
reencontradamente sem ilusão nem desilusão
haja quem se entregue liberto ao Amor
amando a liberdade do ser amado.
Ódio é prepotência que escraviza,
Amor pleno libertará a humanidade da escravidão.
De Agostinho o lema:
“A paixão que temos de pensar é o amor activo, o amor criador”.

2 comentários:

Unknown disse...

Pensar pode ser o que resta do que se sentiu e aprendeu, ou pode ser criar novos sentidos, renovar os velhos... e o Poeta só se sente vivo criando o que É, sabendo-se mar e não onda... menos ainda alheia.

luizaDunas disse...

BonDia Maurícia,

Divagamos sempre pelas nossas próprias histórias, as dos sentidos, as sentidas, as pressentidas. Há uma altura em que as maiores atrocidades à nossa liberdade se revelam tão libertadoras, por nunca afinal terem sido atrozes. Sentes isto?