Pois que Eros é filho da Pobreza, dorme junto às portas, coberto pelos farrapos da noite, sob as estrelas do céu florescente, céu anil. Nem mortal nem imortal. Esconde o seu rosto entre as ramagens, e parte, andarilho e errante. Calando sua beleza. Certa noite mais funda, em que o céu não mostra o oculto pulsar das galáxias do mundo, Eros pergunta a Zeus onde mora a Beleza. Não havia lagos brilhantes onde ver o seu rosto. Não tinha rosto. Sorria de ausência, segurando entre os dedos, o fio velho do ouro deixado pelos montes ao entardecer. A lã entrelaçada do ouro é a corda por onde Eros sobe. Espreita o dia de ontem. Psiqué vagueia por ali, frente ao oceano da memória, a ver o dia partir em dois o coração do tempo.
De si mesmo ferido, Eros adormeceu. Foi acordado por uma borboleta que lhe marcou no ombro uma tinta de amor que o há-de matar.
A voz dos juncos do rio chora, mas os grãos da mesma espécie continuam separados. Lã de ouro, água da nascente levada no bico das águias, dentro do frasco de vidro, ampulheta do tempo, saudade viva do amor. Eros sonha a Beleza e sonhou que morria por amor dela. Lá encontra o perfume deixado por Psique. Julgando ser a sua amada, Eros dormiu o amor de Psique nos braços de Perséfone. A borboleta marcada no seu ombro voou dali e, até hoje, Eros persegue-a. Hoje visitou o meu jardim.
2 comentários:
"Julgando ser a sua amada, Eros dormiu o amor de Psique nos braços de Perséfone."
navega águas escuras
essa tua alma que não existe
as águas amnióticas do Esquecimento
primordiais
e nunca evanescentes
se fores mulher
Saudades do Futuro
és personificação da morte
sagração do infinito
se fores de Marte
como já fui
és um rasgão de treva coruscante
na noite que habita o dia que nunca nasce
mas claro que és tudo
e mais o que não cabe
na atadura das palavras
Paulo Feitais,
As águas do Esquecimento...
Para os gregos, o esquecimento é filho da noite que por sua vez é filha do Kháos, o vazio primordial de onde vieram as coisas. Ao mesmo tempo em que é o negrume onde o que existe, está suspenso. Kháos ameaça sempre o seu oposto: Gaia, aquilo que existe. Kháos engole a consciência dos seres pensantes –e puxa-os para a não-existência.
Do Kháos, surge o pólo do nada, do indistinto, embaciado, esquecido, inexistente.
Mas esta é só uma breve história que nos leva ao Hades apenas porque uma borboleta (reconheço-a. Acho que é a mesma que aparece todos os anos)apareceu no meu jardim.
Como sabe, os poetas, os invenores de mundos para habitar, não são de lugar nenhum que seja dqui e, tal como os anjos "não têm corpo" a alma é que lhes é o corpo.
Nesta história, como sabemos, Eros e Psiqué são uma e a mesma alma. A mesma princesa que dormia e o amor que a buscava. «Pelo processo divino que faz existir a estrada».
O resto, somo nós a falar a vida que, na mundaneidade das coisas que se agitam muito,às vezes rasga clarões nas águas profundas.
Perséfone é o ciclo das colheitas
Gosta do Hades, mas visita sempre o Mundo.
PS. Não creio ter percebido bem a questão de Marte, quer explicitar, se possível?
Um abraço grato pelas suas palavras.
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